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Artigo: Ela não anda, ela desfila: a complexidade da beleza da mulher com deficiência

Me querem sempre como ‘exemplo de vida’, mas nunca como referência de beleza

12/12/2018 15h10 – DN

Descobri que tinha deficiência quando, no ensino primário, fui brincar de roda com um menino e ele se recusou a pegar minha mão, enfatizando: “eu não vou pegar, você nem tem braço”. Essa situação provavelmente se assemelha à de outras pessoas com deficiência. Existe uma ocasião em que a cortina cai e a coloca em uma caixa de estigmas, inclinado ao mais alto posto de diferenciação, de ausência de um membro ou sentido, da deformação e da incompletude corpórea. Para as mulheres, as marcas das cobranças excessivas se agravam.

O fardo no lombo da mulher com deficiência é mais pesado do que ela pode carregar. Além dos percalços em barreiras físicas, comportamentos sociais e de comunicação, as dificuldades em integrar o gênero feminino não deixam de se apresentar. Os padrões de beleza, procedimentos estéticos dolorosos e a indústria que dita vigorosamente o que é belo e o que não é excluem completamente mulheres com limitações físicas, mentais e intelectuais do convívio social, amoroso e sexual. Ser mulher com deficiência é não ver o seu corpo pautado na revista, na novela, nos outdoors, nas passarelas e editoriais de moda. Com isso, não estar representada sequer nas campanhas que prezam pela ‘beleza natural’, pois o que foge demais do modelo ideal, não interessa para a indústria. Quando pautado, o corpo é visto sob a ótica da deficiência e nunca como apenas um corpo bonito da sua forma.

Também, ser mulher com deficiência é não ter utensílios de estética ou roupas acessíveis para as especificidades da sua estrutura física. O mercado da beleza quer faturar com a maioria e, mesmo que pessoas com deficiência produzam capital e também queiram estar integradas nesse contexto, são jogadas para escanteio e nem ao menos pensadas no processo de produção e lançamentos de produtos e marcas. Em vista grossa, estar excluída da massiva produção estética não significa muito. No entanto, em um país que é o terceiro no ranking mundial de consumo em beleza e segundo em cirurgias plásticas, possuir um corpo na contramão do que é belo acarreta em uma série de traumas para a mulher com deficiência. Impacta na forma como ela é vista nas ruas, no trabalho, na escola e na participação da vida social.

O entendimento do corpo da pessoa com deficiência como assexuado não é coincidência. Justamente por este motivo, raramente encontra-se esse grupo de pessoas nos bares, casas de música e outros espaços de cultura e lazer. Pensam em acessibilidade apenas para o básico e não consideram a inteiração humana de qualidade uma necessidade. Para a mulher, esse campo de disputas é mais acirrado ainda. Mulheres com deficiência pouco frequentam salões de beleza, lojas de roupa e espaço de estética pela falta de acessibilidade e uma cultura de receptividade para este grupo de consumidoras.

Infelizmente, essa cadeia acarreta em baixa autoestima, adoecimento mental e facilita a violência doméstica contra mulheres com deficiência, visto que uma pessoa que não busca o autocuidado e auto-amor para com o seu corpo, tende a aceitar situações de agressões contra ele. A Agência Internacional de Mulheres com Deficiência apontou que 40% das mulheres com deficiência em todo o mundo são vítimas de violência. A pesquisa indicou ainda que mulheres com deficiência estão muito mais suscetíveis a abusos que mulheres sem deficiência. Essas violações podem se manifestar por agressão física, patrimonial, psicológica, intimidação, fraude ou negligência em cuidados.

O caminho para resgatar essas mulheres é o fortalecimento psicológico para aumentar a autoestima e, indiretamente, a acessibilidade no campo da cultura, lazer e indústria estética também. Se empresários e proprietários se apropriarem da responsabilidade social do seu ofício e buscarem a participação de mulheres com deficiência nesses ambientes, o impacto não será apenas econômico, mas muito maior do que se pode imaginar. O direito à criar e manter a autoestima de mulheres fora dos padrões estéticos deve ser garantido.

Autora

Sarah Santos é uma jornalista e produtora de conteúdo com deficiência de 21 anos formada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) que dá palestras sobre deficiência e ser mulher.

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