O valor da vida: entenda como funcionará Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF)

Brasil concentra grande área de florestas tropicais com Amazônia e Mata Atlântica - Foto: Acervo MMA

O Brasil encabeça uma das iniciativas que deve modificar a forma do mundo enxergar a conservação ambiental. O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês) – que deve ser lançado durante a COP30 – irá viabilizar pagamentos para países que garantam a conservação dessas florestas. A iniciativa visa fortalecer a manutenção das florestas em pé, demonstrando que sua proteção vale mais que a derrubada. No total, mais de 70 países em desenvolvimento com florestas tropicais podem receber os recursos deste que seria um dos maiores fundos multilaterais já criados no planeta.

A valoração da preservação ambiental em dinheiro pelo TFFF se dá com base na compreensão de que biomas como a Mata Atlântica, a Amazônia, as florestas da Bacia do Congo e do Mekong/Borneo, são fundamentais para a manutenção da vida como conhecemos hoje.

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, Marina Silva, afirmou que este é o momento de mudar a forma como a humanidade lida com os recursos naturais do planeta.

“Já exploramos demais a natureza para gerar recursos financeiros e bens materiais. Agora, é hora de usar os recursos que geramos com essa exploração para proteger a natureza. Somos constantemente cobrados por depender apenas de dinheiro público para essa proteção, mas o Fundo Florestas Tropicais para Sempre representa uma virada de chave”, enfatizou.

“Não é doação, mas uma iniciativa que opera com lógica de mercado, alavancando recursos privados a partir de investimentos públicos. Para cada dólar aportado pelos países, espera-se mobilizar cerca de quatro dólares do setor privado, criando um fundo fiduciário permanente. É uma nova forma de financiar a conservação, com responsabilidade compartilhada e visão de futuro”, complementou a ministra.

O assessor especial de Economia e Meio Ambiente do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), André Aquino, explica o papel dos biomas que poderão ser contemplados pelo TFFF. “Nós sabemos que as florestas tropicais são fonte da estabilidade climática, porque elas retêm carbono e garantem ciclos hídricos, – os rios voadores na Amazônia que conhecemos hoje muito bem no Brasil, por exemplo. Mais de 80% da biodiversidade terrestre de todo o mundo estão nas florestas tropicais. Logo, elas fornecem serviços ecossistêmicos para a humanidade a nível global. O que o TFFF busca é que o mundo remunere parte desses serviços. É remunerar a florestas como base da vida, como base da economia, pelo nosso bem-estar”.

O secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda (MF), Rafael Dubeux, reforça que o mecanismo dá materialidade ao valor das matas. “Para quem é proprietário de uma área, há uma espécie de custo de oportunidade – para usar uma expressão econômica. Ele poderia, em tese – e não é uma boa opção – considerar destruir aquela área para colocar gado, para fazer uma plantação. Para quem é dono daquela área, não é tão visível o dinheiro, o valor daquela floresta preservada. O TFFF está criando uma solução para que a gente deixe claro que não é apenas um slogan a ideia de que a floresta em pé vale mais do que é derrubada. A gente vai verdadeiramente monetizar, viabilizar, pagar pelo serviço de preservação da floresta”, frisou.

Segundo o secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores (MRE), embaixador Mauricio Lyrio, consolidar o TFFF na COP30 fortalecerá o multilateralismo. “É motivo de orgulho que no Brasil, em Belém, ou seja, no meio da floresta Amazônica, nosso país lance uma iniciativa que partiu do próprio Sul Global, da articulação do Brasil com outros países em desenvolvimento que têm florestas tropicais. Tem uma importância histórica”, avaliou.

Origem

O Brasil lidera os esforços pela criação do TFFF desde a COP28, realizada em Dubai, em 2023, quando o tema foi abordado publicamente pela primeira vez pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Até o momento, outros cinco países que possuem florestas tropicais integram a iniciativa: Colômbia, Gana, República Democrática do Congo, Indonésia e Malásia. Além disso, cinco países potencialmente investidores também participam do processo de fundação do mecanismo: Alemanha, Emirados Árabes Unidos, França, Noruega e Reino Unido.

Recursos e atratividade

A expectativa é que as nações investidoras disponibilizem um aporte inicial de 25 bilhões de dólares. Com esta injeção, deve ser possível alavancar mais 100 bilhões de dólares (capital sênior) do setor privado ao longo dos próximos anos. Os governos, ao aceitarem o papel de capital júnior, consentem em incorrer em um risco um pouco maior do que o setor privado, atraindo estes investidores privados.

As projeções dos responsáveis por elaborar o TFFF apontam também que o mecanismo deve viabilizar 4 bilhões de dólares anuais para a preservação ambiental, o que representa um valor próximo do triplo do volume aplicado globalmente para a proteção das florestas tropicais por meio de recursos concessionais.

De maneira inovadora, os recursos disponibilizados pelo TFFF serão disponibilizados aos países com florestas tropicais, que contarão com uma fonte de recursos previsível e em grande escala para financiar objetivos de longo prazo. O TFFF espera que os pagamentos aos países sejam adicionais aos recursos do orçamento hoje empregados para a conservação das florestas, que são extremamente limitados.

“Isso daria uma capacidade de investimento em políticas públicas muito forte”, frisou André Aquino.

De acordo com Rafael Dubeux, o fundo mudará a forma de aplicar capital em prol do meio ambiente.

“Ao contrário de experiências anteriores que são muito baseadas em doações, filantropia, o TFFF traz uma inovação porque pressiona menos o orçamento de todo mundo, já que é um investimento”, destacou.

Trata-se de um fundo fiduciário, similar aos “endowments” que sustentam as grandes universidades privadas dos EUA.

Ainda conforme Dubeux, se as previsões se concretizarem, este será um dos maiores fundos multilaterais já criados no planeta, atrás apenas do Banco Mundial.

Veja onde estão as 74 nações que possuem florestas elegíveis para integrar o fundo:

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74 nações que possuem florestas elegíveis para integrar o fundo

Funcionamento

Os países com florestas tropicais que aderirem ao TFFF deverão apresentar ao conselho do fundo relatórios anuais que comprovem a conservação das florestas, com monitoramento via satélite. O Brasil já faz este acompanhamento por meio do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e poderá ser exemplo para as outras nações, segundo o MMA.

As cifras encaminhadas às nações com florestas seguem o cálculo de 4 bilhões de dólares por hectare preservado. Os repasses poderão ser cortados, caso seja constatado que houve desmatamento e degradação florestal.

Os países beneficiários terão autonomia para definir o destino final dos recursos. No Brasil, o MMA projeta que a verba poderá fortalecer uma série de medidas de preservação ambiental, como o Programa Bolsa Verde, a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais e ações de incentivos à bioeconomia.

“O TFFF apoia os países que já têm baixo desmatamento, aumentando os recursos para seus programas e políticas de conservação, uso sustentável e restauração”, afirma Garo Batmanian, diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro.

Apesar de garantir a liberdade na aplicação dos recursos, o TFFF tem regras de elegibilidade. Os países devem ter sistemas de gestão financeira transparentes, e concordar em separar 20% dos recursos especificamente para povos indígenas e comunidades tradicionais.

Quanto aos investimentos feitos pelo fundo para remunerar os países, a aplicação em projetos que envolvam combustíveis fósseis é vetada. A prioridade é optar por ações e títulos de governos e companhias de países emergentes e produtos considerados verdes.

Articulação internacional

O TFFF será uma das principais defesas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na 80ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que será realizada esta semana, em Nova Iorque. Segundo o Itamaraty, na ocasião, o Brasil promoverá um evento para debater a proposta com líderes mundiais.

“Estamos trabalhando para que os países sinalizem fortemente o aporte de recursos a partir da COP30”, enfatizou a ministra Marina Silva.

O embaixador Mauricio Lyrio destacou que o fundo de florestas é uma demonstração de que o multilateralismo é capaz de entregar resultados concretos e inovadores, num momento em que a cooperação internacional é questionada em algumas partes do mundo.

“Não é algo que é imposto do Norte ao Sul, como a gente chama. Isso é muito importante para reforçar o multilateralismo na área de clima. É um sinal de vitalidade”, pontuou o presidente da COP30.

Para além dos membros do comitê que está construindo o fundo, a iniciativa já recebeu manifestações positivas de outros países, como dos líderes dos BRICS, e de países amazônicos. Em setembro, o governo da China saudou a iniciativa brasileira de instituição do TFFF, afirmando que a nação está ansiosa pelo impacto positivo que isso pode gerar para um planeta saudável.

Ainda conforme o representante do MRE, a pasta tem dialogado com países em todas as partes do mundo, tanto por meio das embaixadas brasileiras no exterior como das embaixadas estrangeiras em Brasília.

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Indígenas e comunidades locais

Uma das regras previstas para o TFFF é que 20% do valor repassado a cada nação com florestas tropicais deve ser encaminhado para populações indígenas e comunidades locais. A forma de aplicação do recurso deverá ser definida pelos governos nacionais em articulação com essas populações, garantindo a soberania dos países.

“Os povos indígenas são os maiores guardiões da floresta e da biodiversidade. É comprovado já em muitos âmbitos. E a gente sempre fez isso sem recurso nenhum. Tendo esse recurso, vai garantir a autonomia dos povos indígenas, essa estrutura que se precisa para a implementação dos seus projetos, suas iniciativas, diretamente nos territórios”, afirmou a ministra dos Povos Indígenas do Brasil, Sonia Guajajara.

Um relatório de 2021 da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e do Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe (FILAC) atesta a declaração da ministra, demonstrando evidências de que territórios nas mãos de povos indígenas e tradicionais sofrem menos desmatamento e emitem menos carbono. Conforme o documento, a eliminação de vegetação nativa em territórios demarcados como terras indígenas no Brasil é 2,5 vezes menor que em outras áreas.

Ainda de acordo com a ministra, o governo mantém interlocução com povos originários de outros países para viabilizar o TFFF, via diálogos com a Aliança Global de Comunidades Territoriais (AGCT). A organização representa 35 milhões de pessoas que vivem em territórios florestais de 24 países na Ásia, África e América Latina.

Mobilização de recursos

A decisão de sediar a COP30 no coração da Amazônia foi inspirada, entre outros motivos, pela necessidade de mostrar ao mundo a importância das florestas tropicais para a manutenção da vida no planeta.

Um dos principais temas discutidos na agenda de mudança do clima é a mobilização de recursos para apoiar os países em desenvolvimento a implementar ações de mitigação e adaptação. Na COP29, em Baku, definiu-se como meta o levantamento de 1,3 trilhão de dólares para financiamento climático até a conferência, conforme o Roteiro de Baku a Belém. André Aquino ponderou que, apesar de ainda não fazer parte desta iniciativa, o fundo tem potencial para ser incluído.

“O TFFF não é formalmente um instrumento da UNFCCC, mas ele contribui diretamente para os objetivos de redução de emissões via conservação da floresta, preservação, conservação da biodiversidade, entre outros. Dessa forma, seus recursos poderiam vir a ser contabilizados nessa mobilização que estamos tentando fazer. Contudo, isso ainda está em avaliação”, pontuou.

Entenda o Roteiro Baku – Belém

De acordo com o secretário-executivo adjunto da Fazenda, uma das vantagens do TFFF frente a outras medidas debatidas no âmbito da COP30 é que, para entrar em operação, o fundo não precisa da concordância de todos os 196 países que estarão no evento, podendo ser viabilizado apenas a partir do aporte inicial das nações investidoras e com o trabalho dos países com florestas.

Esta premissa também vale para a proposta de criação de uma coalizão mundial de mercados de crédito de carbono.

Mercado de carbono e TFFF

Ao lado do TFFF, uma das principais propostas do Ministério da Fazenda para debate na COP30 é a criação de uma coalizão de mercados de crédito de carbono de vários países. Enquanto este mecanismo remuneraria atores que capturam o gás de efeito estufa, – podendo ser também através do reflorestamento, por exemplo, – o TFFF pagará estados nacionais que preservem suas florestas, criando uma complementaridade.

A ideia é que os integrantes da coalizão do mercado de carbono criem um limite de emissões global que vá sendo reduzido ao longo do tempo. O Brasil já aprovou a legislação que regula este mercado em território nacional. A medida está em fase de implementação.

Mais informações sobre a estrutura do Tropical Forest Forever Facility podem ser encontradas aqui. Todos os valores indicados são estimativas ainda em negociação pelos países que compõem os trabalhos de elaboração do TFFF.

(Com informações da Assessoria de Comunicação da COP30)

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Fonte: Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima