Dinheiro público: Prefeituras criaram padrão para esquemas de corrupção

Promotor do Patrimônio Público, Humberto Lapa Ferri concedeu entrevista ao Correio do Estado - Divulgação / TCE-MS

De janeiro até agora, 10 prefeituras e uma Câmara Municipal já foram alvos de operações do Ministério Público de MS.

Titular da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social de Campo Grande, Humberto Lapa Ferri, acredita que há um modus operandi, ou seja, uma padronização das organizações criminosas que atuam nas administrações públicas, que envolvem colocar pessoas suspeitas em cargos altos na gestão municipal e escolher empresas que são criadas com objetivo de fraudar contratos, desviar verba ou cometer outros crimes contra o patrimônio público.

Ao Correio do Estado, o promotor também falou que “buracos” na legislação são facilitadores para que esquemas de corrupção sejam montados de forma usual nas administrações públicas, após 10 prefeituras serem alvos do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) somente este ano.

“O primeiro padrão é colocar pessoas que são descompromissadas com o dinheiro público em cargos chaves. Então seja o próprio gestor do órgão, sejam aqueles que têm o poder de decisão, sejam secretários, sejam diretores, e também cargos-chaves no procedimento licitatório”, disse.

“Além disso, parece que esses malfeitores escolhem empresas que não são empresas sérias. A gente sabe que a maior parte das empresas são sérias, mas existem aquelas que são criadas especificamente para desviar dinheiro público. Existem pessoas que aparecem em mais de um caso de uma operação nossa. É o sinal de que as empresas foram montadas exatamente para adivinhar dinheiro público, enriquecer ilicitamente essas pessoas e esses empresários que vivem de desviar dinheiro público”, complementa Lapa Ferri.

Inclusive, a Operação Fake Cloud, deflagrada na semana passada pelo Grupo Especial de Combate à Corrupção (Gecoc) no município de Itaporã, seguia este mesmo padrão no esquema, com servidores públicos fornecendo informações privilegiadas para beneficiar determinada empresa, após negociação ilícita entre empresários e agentes municipais.

Tanto que os três mandados de prisão cumpridos no decorrer da ação miraram Nilson dos Santos Pedroso, que atuou como superintendente de Compras e Aquisições Governamentais em Itaporã durante a primeira gestão do prefeito Marcos Pacco, e George Willian de Oliveira, empresário campo-grandense e dono da empresa de nome fantasia Citiz Tecnologia, que seria a responsável pelo contrato investigado pelo MPMS.

Menos de 24 horas após a deflagração da operação, Nilson dos Santos Pedroso foi exonerado do cargo que ocupava na Prefeitura de Corumbá desde janeiro deste ano.

Sobre o posicionamento dos executivos municipais após descobrirem ação contra corrupção dentro da administração, o promotor afirma que a maioria opta por afastar as pessoas envolvidas, já que a Justiça não costuma “dar ponto sem nó”.

“Nós temos inúmeros gestores decentes e comprometidos com uma gestão eficiente e correta. Para se chegar a um limite como [mandados de] buscas e apreensões e prisões, principalmente, é óbvio que o Poder Judiciário não concede esse tipo de decisão sem que tenha elementos mínimos. Na maioria dos nossos casos, o gestor opta por afastar essas pessoas, para que elas possam fazer as suas defesas”, explica à reportagem.

LEGISLAÇÃO BRANDA

O promotor também disse que, tanto o sistema de justiça quanto a legislação, sempre foram frouxos ao punir o chamado “crime do colarinho branco”, delitos financeiros cometidos por pessoas de alto escalão social e profissional, utilizando-se recursos de inteligência ou tecnologia para obter vantagens indevidas. Diante disso, Lapa Ferri acha que este fato histórico também reflete no controle das gestões municipais.

“Eu acredito que o controle a ser feito pela própria gestão municipal ainda continua fraco, continua suscetível a que essas pessoas se aproveitem de cargos-chave, principalmente ligados à licitações e contratos, para favorecer, direcionar a licitação, superfaturar valores, não controlar o serviço que é prestado, e isso faz com que o nosso dinheiro vá para o ralo”, relata.

ELEIÇÃO

O promotor acredita que o delito de corrupção deveria estar dentro da classe de crimes hediondos, assim como furto, roubo, latrocínio e estupro, visto que são desviadas verbas que poderiam ir para a saúde, educação e rodovias daquele determinado município.

“O cidadão, independente da idade, cor, classe social, mas principalmente os mais pobres, eles deviam ficar revoltadíssimos quando eles tomam conhecimento de esquemas para desviar dinheiro público. As pessoas acham que dinheiro público é de ninguém, quando na verdade é o contrário, dinheiro público é de todos”, reforça o magistrado.

Em razão disso, Lapa Ferri reflete que o resultado das operações devem servir para a população votar com mais consciência nas próximas eleições.

“Quando você vai comprar um carro usado, você vai olhar pelo menos se o carro tem pneu bom, se o carro está arrumadinho, se tem um histórico bom. Se a gente faz isso com o carro, se a gente faz isso com outros bens, por que não fazer com as pessoas que vão nos representar e vão cuidar do nosso dinheiro?”, destaca.

OPERAÇÕES

Neste ano, os núcleos investigativos do MPMS, o Gecoc e Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) já “bateram na porta” de 10 prefeituras de Mato Grosso do Sul: Miranda, Bonito, Itaporã, Água Clara, Rochedo, Três Lagoas, Coxim, Sidrolândia, Nioaque e Terenos.

Além dos executivos municipais, a Câmara Municipal de Aquidauana também já foi alvo das forças policiais este ano. Todas as operações foram deflagradas por corrupção em licitações.

Na maior deste ano, em Terenos, o então prefeito, Henrique Budke (PSDB), foi retirado do cargo após a operação e passou quase um mês preso preventivamente por suspeita de lavagem de dinheiro, organização criminosa, corrupção e fraude em licitações.

O esquema que seria iderado por ele teria desviado cerca de R$ 15 milhões do município, conforme apontou a investigação.

Fonte: Correio do Estado