A era dos influenciadores digitais está perdendo força, ou apenas se transformando? Nos últimos meses, um movimento silencioso vem ganhando evidência no Brasil e no exterior: criadores de conteúdo com centenas de milhares (às vezes milhões) de seguidores estão abandonando a carreira de influenciador como atividade principal e retornando ao “mundo real” do emprego tradicional. O motivo? Uma combinação de instabilidade financeira, queda nas receitas de publicidade, aumento do custo de vida e o desejo crescente por previsibilidade, algo que a CLT e os modelos de carreira mais estruturados ainda conseguem oferecer.
O fenômeno começou a ser notado já em 2023, mas ganhou força em 2024 e 2025, com diversos casos viralizando nas redes sociais. A influenciadora Ana Wolfermann, que acumulava quase 1 milhão de seguidores compartilhando lifestyle e rotina, anunciou sua decisão de trocar o conteúdo “tempo integral” por um emprego corporativo estável. Situação semelhante ocorreu com a australiana Tilly Whitfeld, que surpreendeu sua audiência ao declarar que os ganhos como criadora não eram suficientes para custear um padrão de vida seguro, especialmente para objetivos como financiar um imóvel ou planejar o futuro.
Embora soe contraditório, afinal, há quem associe influenciadores à “vida perfeita”, os números mostram que a carreira pode ser bem menos glamurosa do que parece.
Um mercado que cresceu rápido demais?
No Brasil, a realidade para muitos criadores também é mais dura do que os bastidores glamurosos exibem:
- De acordo com levantamento da Youpix, em parceria com a Brunch, cerca de 31% dos influenciadores brasileiros recebem mensalmente entre R$ 2 mil e R$ 5 mil. Apenas 14,36% atingem entre R$ 10 mil e R$ 20 mil mensais, e apenas 0,54% excedem R$ 100 mil por mês.
- Ainda segundo esta fonte, muitos influenciadores relatam que o modelo de negócios se tornou mais complexo: no Brasil, 67% aceitam permuta como forma de pagamento e 57% trabalham apenas com campanhas pontuais, indicando que renda recorrente ainda é rara.
- Matérias brasileiras recentes apontam que influenciadores estão retornando ao emprego formal, motivados por “benefícios como plano de saúde, vale-alimentação, estabilidade” que o regime CLT oferece.
Esses dados reforçam que o mito de “viver bem só das redes sociais” não se aplica à maioria, especialmente num país com alta concorrência, carga tributária complexa e custo de vida crescente.
A análise financeira por trás da decisão
Para o educador financeiro André Charone, esse movimento faz sentido do ponto de vista econômico e psicológico. “A renda do influenciador é variável e depende de três fatores que ele não controla: algoritmo, comportamento da audiência e orçamento das marcas. Isso cria um ambiente de incerteza que, no médio prazo, desgasta e causa insegurança financeira”, afirma.
Segundo Charone, há um erro recorrente entre criadores: ausência de planejamento financeiro profissional.
“Muitos influenciadores vivem em padrão de renda emocional: quando ganham muito em um mês, aumentam o padrão de vida como se aquilo fosse permanente. Só que a publicidade é cíclica. Sem reserva de emergência, sem previdência e sem gestão tributária, o risco de descontrole é enorme”, explica.
O especialista ainda destaca que o retorno ao mercado formal não representa fracasso, e sim maturidade:
“Buscar estabilidade não significa desistir do sonho, mas equilibrá-lo com segurança financeira. É completamente possível manter presença digital enquanto se tem uma fonte de renda estável. E para muitos, isso é o que garante uma relação mais saudável com a internet.”
Por que a CLT volta a ser atraente?
Mesmo criticada por muitos empreendedores, a CLT oferece algo que o mercado criativo raramente consegue oferecer de maneira consistente: previsibilidade. Salário fixo, direitos trabalhistas e benefícios se tornam especialmente valiosos em um cenário de inflação, juros elevados e custo de vida crescente.
Empresas também relatam aumento no interesse por vagas com modelos mais híbridos de trabalho, permitindo que o profissional continue criador de conteúdo, mas sem depender disso para sobreviver.
O que essa tendência revela sobre o futuro da influência digital
A migração de influenciadores para trabalhos formais sinaliza um novo ciclo do mercado:
- O glamour está sendo substituído por profissionalização;
- O criador está percebendo que precisa diversificar renda;
- A audiência valoriza mais autenticidade do que ostentação;
- A carreira de influenciador se torna uma habilidade, não um destino permanente.
André Charone resume a nova realidade:
“Ser influenciador continuará sendo um caminho de carreira possível. A diferença é que agora os jovens estão percebendo que isso exige gestão financeira, estratégia e visão de longo prazo. A internet pode ser um trampolim, mas não precisa ser a única ponte.”
Sobre o autor:
André Charone é contador, professor universitário, Mestre em Negócios Internacionais pela Must University (Flórida-EUA), possui MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela FGV (São Paulo – Brasil) e certificação internacional pela Universidade de Harvard (Massachusetts-EUA) e Disney Institute (Flórida-EUA).
É sócio do escritório Belconta – Belém Contabilidade e do Portal Neo Ensino, autor de livros e centenas de artigos na área contábil, empresarial e educacional.
Seu mais recente trabalho é o livro “Empresário Sem Fronteiras: Importação e Exportação para pequenas empresas na prática”, em que apresenta um guia realista para transformar negócios locais em marcas globais. A obra traz passo a passo estratégias de importação, exportação, precificação para mercados externos, regimes tributários corretos, além de dicas práticas de negociação e prevenção contra armadilhas no comércio internacional.
Disponível em versão física: https://loja.uiclap.com/titulo/ua111005/
e digital: https://play.google.com/store/books/details?id=nAB5EQAAQBAJ&pli=1
Instagram: @andrecharone
Imagem André: Divulgação / Consultório da Fama



