Yu era professor da Universidade de Pequim e dirigia a Turenscape, um dos maiores escritórios de arquitetura paisagística do mundo.
Quando menino, o arquiteto e urbanista chinês Kongjian Yu caiu em um rio no interior da China e sobreviveu ao se agarrar aos galhos da margem. Anos depois, ao voltar ao vilarejo, encontrou o leito retificado em concreto. “Eu não me salvaria mais se caísse num rio assim. Onde iria me agarrar nesse canal com margem de concreto?”, passou a dizer em palestras. O episódio infantil virou a metáfora central da sua obra.
Aos 61 anos, formado pela Universidade Florestal de Beijing e doutor pela Universidade Harvard, Yu era professor da Universidade de Pequim e dirigia a Turenscape, um dos maiores escritórios de arquitetura paisagística do mundo. Era considerado o criador do conceito de cidades-esponja, modelo que usava a natureza como aliada para lidar com chuvas intensas, calor urbano e escassez hídrica.
Para tornar as cidades mais resilientes, Yu propunha transformar o tecido urbano em um sistema capaz de reter, limpar e infiltrar a água da chuva. Em vez de expulsá-la por canais de concreto, a estratégia recuperava a permeabilidade do solo com parques alagáveis, zonas úmidas, jardins de chuva, telhados verdes e pavimentos que deixavam a água infiltrar. O objetivo era reduzir enchentes, recarregar aquíferos e criar áreas de lazer e biodiversidade.
A ideia saiu do papel e virou política pública: em 2013, o governo chinês adotou o programa nacional de cidades-esponja, priorizando infraestruturas naturais de grande escala, como zonas úmidas, vias verdes e parques.

Amigo da água: raízes e virada cultural
Inspirado nas práticas camponesas que viu na infância (terraços nas montanhas, lagoas e convivência com os ciclos da água), Yu repetia que “não adianta brigar com a água”. Para ele, a cidade-esponja exigia uma mudança cultural: a paisagem deixava de ser adorno e passava a ser infraestrutura funcional. Em entrevistas, ele chamava essa virada de “estética do pé grande”, contraposta ao paisagismo ornamental. A paisagem, dizia, precisava servir à sobrevivência das pessoas.
Desde 1997, quando voltou de Harvard para a China, Yu liderou mais de mil projetos em cerca de 250 cidades. Em Sanya (província de Hainan), antes castigada por enchentes e secas, o conjunto formado por parque central, áreas úmidas, manguezais e “ruas-esponja” integrou infraestrutura urbana e natureza. Em Nanchang (Jiangxi), o Parque Rabo de Peixe ajudou a resolver parte das inundações urbanas. Elementos do conceito também apareciam em Xangai, Nova York, Berlim e Copenhague.
Yu sustentava que a paisagem devia ser tratada como infraestrutura ecológica que prestava serviços essenciais: abastecimento, regulação do clima, suporte à vida, cultura e bem-estar. Parques podiam funcionar como reservatórios, ruas com piso permeável reduziam enxurradas, telhados verdes refrescavam bairros e jardins de chuva recarregavam lençóis freáticos. O pacote integrava adaptação, mitigação e transformação social frente às mudanças climáticas.
Na avaliação de Yu, os maiores entraves eram a visão de curto prazo, o apego ao “business as usual” e o medo de inovar. Os ganhos, por outro lado, eram múltiplos: segurança contra enchentes, restauração da biodiversidade, melhoria da qualidade da água, redução do calor urbano e atração de investimentos da economia verde.

Conselhos ao Brasil
Perguntado sobre cidades brasileiras atingidas por enchentes, como as do Sul, Yu foi direto: era preciso prudência com muros e barragens de concreto. Essas soluções únicas “já falharam, falharão de novo”. A aposta devia ser em soluções baseadas na natureza, com sistemas de esponja nas escalas urbana e de bacias hidrográficas. Mesmo em metrópoles densas, como São Paulo, podiam se tornar resilientes “em cinco anos, se houvesse projeto bem feito, mobilização comunitária e vontade política”.
Para Yu, a cidade-esponja não resolvia sozinha o aquecimento global, mas reduzia temperaturas, mitigava inundações e recuperava ecossistemas, contribuindo localmente para o desafio climático global. A lição voltava ao ponto de partida: assim como o garoto que se salvou ao se agarrar à natureza, as cidades também precisavam devolver espaço à água e à vida para continuarem existindo.
O arquiteto estava no Pantanal para gravar um documentário e estudar o bioma como uma “esponja natural”, capaz de reter e filtrar a água. A ideia era mostrar como a região poderia inspirar soluções urbanísticas frente às mudanças climáticas, quando sofreu o acidente aéreo que tirou sua vida e a do cinegrafista que o acompanhava, além do piloto e um diretor fotógrafico.

Fonte: Campograndenews