Mais um importante acordo negociado pela Advocacia-Geral da União (AGU) foi assinado nesta terça-feira (10/6), em Manaus (AM), encerrando uma disputa judicial de 11 anos em torno da presença da Comunidade Quilombola do Tambor no interior do Parque Nacional do Jaú. A solução encontrada permitirá preservar tanto a integridade da reserva, uma das maiores extensões de florestas tropicais úmidas contínuas do mundo, quanto os direitos da comunidade tradicional.
O acordo foi firmado entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Ministério Público Federal (MPF), e encerra a Ação Civil Pública nº 0008363-23.2014.4.01.3200, em trâmite na Justiça Federal do Amazonas.
O litígio tem origem em um processo histórico que remonta à criação do parque, na década de 1980, tempo em que não se realizavam consultas públicas ou levantamentos de campo prévios. À época, comunidades tradicionais que viviam na área — entre elas a Comunidade do Tambor — não foram consideradas no desenho da unidade e, em alguns casos, foram removidas de seus territórios tradicionais.
O reconhecimento formal da condição de remanescente de quilombo veio anos depois, com a certidão da Fundação Cultural Palmares, em 2006, seguida do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do Incra, em 2009. Mais recentemente, por meio da Portaria nº 2333/2022, o Incra reconheceu e declarou o território quilombola integralmente sobreposto pelo parque.
O litígio teve início em 2014, quando o Ministério Público Federal ingressou com ação judicial contra o ICMBio e o Incra, buscando assegurar os direitos territoriais da comunidade.
Uso disciplinado
Em 2020, foi firmado um termo de compromisso entre o ICMBio e os quilombolas, reconhecendo o direito de permanência das famílias. O objetivo era disciplinar o uso dos recursos naturais, assegurar a sobrevivência digna dos quilombolas e compatibilizar as atividades tradicionais com os objetivos de criação do Parque Nacional do Jaú. Em 2023, o plano de manejo da unidade consolidou esse entendimento.
O acordo dá continuidade ao processo e estabelece os marcos para a futura celebração de um Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU), respeitando os trâmites legais. O documento foi assinado em audiência pública e será submetido à homologação judicial.
Segurança jurídica
A construção do acordo, intermediado pela Procuradoria Regional Federal da 1ª Região, representa a solução viável encontrada para preservar a unidade de conservação e, ao mesmo tempo, respeitar os direitos da comunidade tradicional, em consonância com a realidade consolidada e com o ordenamento jurídico vigente. A PRF1 é órgão de execução da Procuradoria-Geral Federal (PGF).
Segundo a procuradora-Regional Federal da 1ª Região, Lucia Penna, o acordo soma-se a esforços administrativos do ICMBio ao longo dos últimos anos, mas apresenta um diferencial: a segurança jurídica de que a comunidade quilombola permanecerá no território por prazo indeterminado. “Ao encerrar um impasse de décadas, o acordo configura um precedente útil na construção de soluções consensuais em lides similares, conferindo novas perspectivas para aplicação da Portaria nº. 498/2020/PGF”, afirma.
Para a procuradora-geral federal, Adriana Maia Venturini, o acordo reafirma o papel institucional da AGU como agente de soluções negociadas, especialmente em casos complexos que envolvem a atuação técnica de órgãos públicos federais e a necessidade de conciliar a proteção ambiental com os direitos de comunidades tradicionais. “A atuação da PGF demonstra que é possível construir consensos jurídicos sólidos e duradouros, com base no diálogo, na segurança jurídica e no respeito ao ordenamento constitucional”, ressalta.
O Parque
O Parque Nacional do Jaú é uma unidade de conservação federal de 2,2 milhões de hectares, localizado entre os municípios de Novo Airão e Barcelos, no Baixo Rio Negro, Amazonas. É o único parque do Brasil que protege praticamente toda a bacia hidrográfica de um rio de águas pretas, o rio Jaú.
A reserva está assentada sobre formações geológicas de 100 a 500 milhões de anos, e ao mesmo tempo sobre formações mais recentes, de cerca de dois a seis milhões de anos. A área abriga relíquias da história da ocupação humana na região, entre elas vários sítios arqueológicos e diversas inscrições em pedras.
Reconhecido como Sítio do Patrimônio Mundial Natural e Reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas pela Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o parque integra o Sítio de Ramsar Rio Negro e faz parte do Corredor Central da Amazônia.
É uma das reservas mais representativas da flora e da fauna das bacias de águas pretas na Amazônia Central e tem uma biodiversidade muito rica e em parte ainda desconhecida.
Assessoria Especial de Comunicação Social da AGU
Fonte: Advocacia-Geral da União