Conheça Gilda Reis, autora do Painel Educação

Foto: Divulgação/MEC

Temas religiosos, favelas e desigualdades sociais estão entre as imagens retratadas pela artista carioca Gilda Reis (1928-2017). No painel Educação, que está em processo de restauração no edifício-sede do Ministério da Educação (MEC), a autora apresentou duas realidades distintas: de um lado, estudantes uniformizados e sorridentes e, do outro, uma mãe e seus filhos descalços, com olhares distantes e sem esperança. A obra de 15 metros quadrados foi encomendada pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) durante a construção de Brasília. 

O painel histórico é um afresco — uma pintura feita diretamente na parede — e foi produzido em 1960, data da inauguração da capital federal. O restauro da obra, relevante para a arte, a história e a educação de Brasília e do Brasil, ficou a cargo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e completou dois meses de trabalho em novembro.  

A parceria do MEC com a UFPel acontece por meio de um termo de execução descentralizada (TED) e integra o Programa Multiações para o Patrimônio Cultural do Curso de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da universidade. A finalização da restauração e a entrega da obra estão previstas para meados de 2026.  

Vanguarda – Na plenitude de seus 80 anos, Marta Reis da Fonseca lembra com carinho da Gilda Reis mãe, mulher, amiga e artista. A filha, arqueóloga e profissional da cultura, enfatiza que a mãe era uma pessoa diversa, com muitas particularidades, não sendo possível lhe atribuir algum rótulo. “Eram muitas Gildas, a maioria fascinante, outras apaixonantes, e isso se reflete nas obras dela. Tem arte religiosa, anjo, favela, Cristos, abstratos. Tem tudo ao mesmo tempo, as obras dela não estão inseridas somente em um lugar”, conta.  

Eram muitas Gildas, a maioria fascinante, outras apaixonantes, e isso se reflete nas obras dela. Tem arte religiosa, anjo, favela, Cristos, abstratos. Tem tudo ao mesmo tempo, as obras dela não estão inseridas somente em um lugar.” Marta Reis da Fonseca, filha de Gilda Reis  

Marta destaca que a mãe enfrentava os preconceitos com uma coragem admirável e que sempre esteve à frente de seu tempo. Ela conta que, quando a equipe de Oscar Niemeyer a contatou para fazer o painel do MEC, eles acreditavam que estavam contratando um homem — a artista não se apresentava previamente devido aos preconceitos que afetavam as mulheres ainda com mais intensidade no século passado.  

“Minha mãe era muito bonita e ela tinha pavor de confundirem sua arte com sua beleza. A mulher dos anos 50 separada, divorciada, era considerada uma prostituta, não era uma pessoa para ser respeitada. E ela encarou isso e foi em frente, como muitas outras foram também”, completou Marta.  

Educação – Marta Reis agradeceu o esforço para o restauro completo da obra da mãe no edifício-sede do MEC. “Quando ela viu o estrago que foi feito no painel, ficou muito triste, porque, além da preocupação estética, tem toda uma filosofia por trás que era ligada ao MEC e às preocupações com a educação no país. Minha mãe era muito brasileira e muito preocupada com as questões e com as diferenças sociais, todos esses aspectos que a gente ainda vive hoje. Então, isso está muito retratado na arte dela”, detalha. Para ela, a falta de compromisso com a memória do país é lamentável.  

Gilda Reis foi várias vezes a Brasília em tentativas para recuperar o painel, tentando acionar a imprensa e falando com diversas personalidades. “Eu estou muito feliz, porque estão realizando um sonho dela. Ela não era vaidosa, mas era orgulhosa da sua vida e de seu trabalho”, comemora a filha.  

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Marta Reis, filha de Gilda, segurando retrato seu ao lado da mãe. Foto: Divulgação/MEC

Restauração – A equipe da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) que atua no projeto é multidisciplinar e tem ampla experiência na restauração de obras artísticas. Entre elas, constam as 20 obras vandalizadas no Palácio do Planalto, no 8 de janeiro de 2023, que foram recentemente restauradas. Todo o trabalho é feito por especialistas em áreas como pintura mural, pesquisa histórico-artística, conservação preventiva, restauração sustentável, documentação científica, fotografia e mapeamento de dados, além dos responsáveis pela análise química e compatibilidade dos materiais a serem utilizados. 

O professor de história da arte no Departamento de Museologia, Conservação e Restauro (DMCOR), do Instituto de Ciências Humanas (ICH) da UFPel, Roberto Heiden, explica a relação da obra da artista com o modernismo brasileiro e com a criação e a construção de Brasília. Segundo ele, Niemeyer é reconhecido pela sensibilidade em relação às artes e pelos inúmeros projetos desenvolvidos em parceria com artistas. “É nesse contexto histórico que se insere o mural Educação, pintado no início da década de 1960, período em que outros artistas também realizavam obras importantes na cidade. O convite feito por Niemeyer para que Gilda executasse o mural acrescenta uma camada adicional de importância histórica ao trabalho e sempre foi motivo de orgulho para a pintora”, afirma. 

O especialista completa que, para muitos pintores, a escolha entre formas abstratas ou figurativas se fazia necessária e por vezes conflituosa, mas Gilda transitou com naturalidade entre as duas vertentes, e o mural Educação congrega ambas. A análise visual da obra também evidencia a assimilação, por parte da artista, de diferentes referências estilísticas, como o cubismo e o expressionismo, algo recorrente entre artistas modernistas brasileiros. 

Gilda buscava representar a importância da assistência estatal às crianças mais vulneráveis, oferecendo acolhimento e acesso à educação. A pintura, assim, configura-se como um apelo visual por justiça social.” Roberto Heiden, especialista em história da arte 

“Apesar da relevância dessas características formalistas, não se pode perder de vista que o tema central da pintura possui uma dimensão social: a obra retrata crianças em idade escolar, algumas vestindo uniforme estudantil, outras de origens humildes, com roupas simples e pés descalços. Gilda buscava representar a importância da assistência estatal às crianças mais vulneráveis, oferecendo acolhimento e acesso à educação. A pintura, assim, configura-se como um apelo visual por justiça social”, conclui o professor Heiden. 

Perfil –Nascida no Rio de Janeiro, Gilda Reis Neto teve longa trajetória artística e participou de mais de 50 exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior. Estudou com Ivan Serpa e André Lhote no Brasil e, em Paris, foi bolsista do governo francês na Académie de la Grande Chaumière e no Ateliê Kokoschka. Em Brasília, pintou murais na Escola Parque da 307/308 Sul, no Plano Piloto, entre 1959 e 1961, e no Iate Clube de Brasília, em 1962 — mas foram destruídos. Outros murais da artista, ainda preservados, encontram-se no Museu Casa dos Pilões, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, e em residência particular na cidade de Anápolis (GO). 

Gilda foi condecorada com a medalha de bronze no 33º Salão de Artes Plásticas da Associação dos Artistas Brasileiros no Rio de Janeiro em 1962; participou da VII Bienal de São Paulo em 1963; e foi artista convidada do 2º Salão de Arte Moderna do Distrito Federal em 1966. Entre 1967 e 1982, viveu e trabalhou nos Estados Unidos e na Argentina, retornando ao Brasil em 1982. Continuou a expor até 1999, quando fez sua última exposição individual na capital do Rio de Janeiro. 

Acesse o site com a biografia e as obras da artista 

Assessoria de Comunicação Social do MEC 

Fonte: Ministério da Educação