Apesar do tarifaço impostos pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros, o setor portuário brasileiro está vivendo um ciclo raro de notícias positivas para a logística do agronegócio. Entre 2024 e 2025, o Ministério de Portos e Aeroportos consolidou um volume recorde de concessões e autorizações, somando quase R$ 300 bilhões de reais. Esse esforço se reflete diretamente na movimentação de cargas: a expectativa oficial é ultrapassar a marca de 1,3 bilhão de toneladas movimentadas em 2025, com crescimento de cerca de 4% no volume nacional em outubro e alta de 14% no Porto do Rio de Janeiro em novembro.
Para o produtor rural, esses números significam, na prática, mais capacidade para escoar grãos, carnes, açúcar, celulose e outros produtos do campo, num momento em que o frete e a competição internacional pesam cada vez mais na rentabilidade.
Mesmo com as tarifas mais altas impostas pelos EUA e que agora estão caindo, o governo e o setor privado projetam ganho de eficiência nos terminais, com potencial para reduzir gargalos e evitar filas em épocas de pico, como colheitas e safra de exportação. A mensagem é que, se o custo de acesso a certos mercados subiu, a resposta do Brasil passa por ampliar infraestrutura e tentar compensar parte dessa pressão por meio de logística mais moderna.
O exemplo mais recente desse movimento está no Porto do Rio de Janeiro, que recebeu a aprovação de um pacote de investimentos privados de 948 milhões de reais para a expansão e modernização do terminal de contêineres operado pela ICTSI Rio Brasil Terminal.
O projeto, previsto para ser executado entre 2025 e 2029, deve ampliar em cerca de 18 mil metros quadrados a área operacional e aumentar a capacidade em mais de 70%, elevando o potencial total de 440 mil para 750 mil contêineres (medidos em TEUs) por ano. Para o agronegócio, isso abre espaço para mais contêineres refrigerados, cargas de maior valor agregado e rotas mais frequentes, ligando o interior do país a mercados externos com menor risco de congestionamento.
Os investimentos no Porto do Rio também têm efeito direto na economia regional e no entorno das cadeias do agro. A estimativa é que as obras e a expansão do terminal gerem cerca de 3 mil empregos diretos, além de vagas indiretas em transporte rodoviário, serviços, armazenagem, manutenção e tecnologia. O governo sinaliza ainda disposição para apoiar uma terceira etapa de expansão do grupo operador, com aporte adicional de recursos públicos e privados, reforçando a posição do Rio de Janeiro como polo logístico de ligação entre o Sudeste, o Centro-Oeste e o mercado internacional.
Isan Rezende
MAIS INVESTIMENTOS – Investir pesado em novos modais de transporte deixou de ser opção e virou questão de sobrevivência para o agronegócio brasileiro, avalia o presidente do Instituto do Agronegócio (IA) e da Confederação dos Engenheiros Agrônomos de Mato Grosso (Feagro-MT), Isan Rezende.
Ele lembra que o país colhe safras cada vez maiores, mas continua escoando a maior parte da produção “no lombo do caminhão”, em rodovias saturadas, caras e vulneráveis ao clima. “Hoje, mais de 60% dos grãos ainda seguem por estradas até os portos, o que encarece o frete, reduz competitividade e aumenta a dependência de regiões específicas de saída, como Santos e Paranaguá”.
Para Rezende o aumento recente de concessões em portos e aeroportos é um passo importante, mas insuficiente se não vier acompanhado de uma mudança estrutural na matriz de transporte. “Programas que prometem oito novos leilões de ferrovias e mais de 500 bilhões de reais em investimentos precisam sair do papel mais rápido para aliviar o custo logístico do agro ao longo da próxima década”.
“O produtor está fazendo a parte dele em produtividade e tecnologia; o gargalo agora é levar essa riqueza até o mercado interno e externo com custo competitivo”, pontua Isan, destacando que a conta do frete hoje consome uma fatia crescente da margem das fazendas de grãos, fibras e proteínas.
“Um dos símbolos dessa encruzilhada é a Ferrogrão, ferrovia planejada para ligar o coração do Mato Grosso aos portos do Arco Norte, encurtando distâncias até o oceano e reduzindo o fluxo pesado de caminhões na BR-163. O projeto continua travado por questões jurídicas e regulatórias, enquanto o governo fala em leilão apenas a partir de 2026, o que empurra qualquer efeito real sobre o custo de transporte para o fim da década. Cada safra que sai sem a Ferrogrão operando é um ano a mais em que o produtor paga mais caro para embarcar seu grão pelo asfalto, queimando diesel, pneus e tempo em filas”, reforça.
O dirigente também destaca o papel estratégico dos portos do Arco Norte, como Itaqui, Santarém, Miritituba e outros terminais que vêm ganhando terminais privados, mas ainda operam no limite em períodos de pico de safra. Na visão de Rezende, a combinação de investimentos em novos berços, dragagem, pátios e acessos — somada à expansão de terminais de contêineres em portos como o do Rio de Janeiro — pode redesenhar o mapa logístico do agro, desconcentrando fluxos hoje muito dependentes do Sudeste. “Quanto mais opções de rota o produtor tiver, maior será o poder de negociação dele com tradings e transportadoras, e menor a chance de colapso em épocas de safra cheia”, observa.
Rezende defende que o debate sobre infraestrutura seja tratado como política de Estado, e não apenas como pauta de governo ou promessa de campanha. Para ele, concessões bem estruturadas, segurança jurídica e previsibilidade regulatória são condições básicas para atrair capital privado de longo prazo para ferrovias, hidrovias, portos e terminais retroportuários. “O agro já provou que consegue produzir; agora o Brasil precisa provar que consegue escoar. Se o país entregar logística à altura da sua agricultura, o setor continua puxando o crescimento, gerando emprego e ajudando a segurar o custo dos alimentos para a população”, resume o presidente do IA e da Feagro-MT.
Para o produtor, o recado principal é que a logística — muitas vezes vista apenas como custo — está no centro da estratégia para manter a competitividade do agro brasileiro nos próximos anos. Mais concessões, leilões e modernização de portos e aeroportos podem significar, no médio prazo, menos gargalos, tempos de espera menores e condições mais favoráveis de negociação com tradings, cooperativas e indústrias. Em um ambiente de juros altos, câmbio volátil e pressão de tarifas externas, o avanço da infraestrutura de transporte e armazenagem se torna um dos poucos fatores estruturais capazes de aliviar parte do “Custo Brasil” e preservar margens no campo.
Fonte: Pensar Agro


