Uma técnica inovadora está abrindo novos caminhos para a conservação de bens culturais no Brasil. Trata-se da consolidação de esculturas em madeira policromada, método desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/CNEN) utilizando radiação ionizante. A técnica foi aplicada na recuperação estrutural da escultura de São Jerônimo, pertencente ao acervo do Museu do Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo.
A obra sacra degradada sofreu severos ataques de insetos que provocaram a degradação da estrutura interna e externa, criando porosidade e buracos consideráveis.
“A escultura, totalmente fragilizada, foi o candidato perfeito para testar a técnica. Trata-se do último recurso a ser aplicado no objeto de valor cultural para mantê-lo íntegro”, explicou o pesquisador da CNEN, Pablo Vasquez, que comandou os trabalhos com participação da restauradora Adriana Pires.
O método utilizado pela unidade da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), reduz a utilização de reagentes químicos como os catalisadores, normalmente utilizados para a cura de resinas poliméricas. O processo de radiação não gera contaminação ambiental, possui alta eficiência e penetração. A resina residual pode ser reutilizada.
Antes de executar o processo de consolidação na escultura de São Jerônimo, várias formulações de resinas foram testadas em nível de laboratório, utilizando-se amostras de madeira para verificar a eficiência do processo.
“Uma vez escolhida a composição mais adequada, foram desenvolvidos dispositivos específicos para aplicação na escultura em escala real. Todos estes processos foram acompanhados pela restauradora responsável pela obra”, detalhou o pesquisador.
A peça, de aproximadamente um metro de altura, apresentava danos severos e risco iminente de colapso. Foram aplicadas técnicas avançadas de caracterização, como tomografia, raio-X digital e análises físico-químicas, para avaliar o estado interno do objeto e guiar as etapas do processo.
A consolidação envolveu duas fases de impregnação com formulações à base de poliéster e estireno, seguidas por irradiação com baixa taxa de dose no Irradiador Multipropósito de Cobalto-60 do IPEN/CNEN. A polimerização induzida por radiação proporcionou uma excelente eficiência com alta penetração nas camadas internas da madeira e alta estabilidade química e mecânica.
Aplicação em outras obras
Segundo Pablo Vasquez, o Brasil é um país rico em acervos de materiais orgânicos, madeira, papel, entre outros, que têm sido atacados por insetos e micro-organismos provocando problemas similares e muitas vezes levando a perda total dos objetos. Para ele, a técnica poderá ajudar na preservação de outras obras.
“Esta experiência adquirida pode ser estendida a aplicações nos diversos acervos de outros países, em especial os da América Latina, cujo clima tropical causa os mesmos tipos de danos”, apontou Vasquez.
O IPEN/CNEN é referência internacional na aplicação de radiação para a preservação de acervos artísticos e históricos. Na década de 1990, o Instituto iniciou as primeiras pesquisas. Atualmente, este método foi aplicado na descontaminação e conservação de mais de 50 mil objetos culturais, incluindo obras de grandes nomes da arte brasileira como Tarsila do Amaral, Cândido Portinari, Di Cavalcanti, Alfredo Volpi, Anita Malfatti e Tomie Ohtake.