“As empresas donas das redes sociais precisam oferecer para escrutínio público o seu processo de construção algorítmica”, defendeu nesta quarta-feira (25/6) o advogado-geral da União, Jorge Messias, durante a 12ª edição do Global Fact, maior evento de checagem de fatos do mundo, realizado pela primeira vez no Brasil.
Messias foi um dos palestrantes do painel de abertura do encontro, juntamente com Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral e também ministra do STF. Falando sobre “Desinformação e Estado de Direito: a experiência do Brasil”, o advogado-geral ressaltou a necessidade de que as redes sociais sejam reguladas.
“Os algoritmos usados pelas big techs são hoje controlados por elas de forma totalmente opaca. A sociedade não tem acesso para fazer qualquer análise crítica, por meio de seus institutos e universidades. Isso é inadmissível. Essas empresas precisam disponibilizá-los para escrutínio público. Foi assim, na história da Humanidade, com qualquer ferramenta que pudesse causar dano ou grande impacto à sociedade: as armas, os medicamentos etc. É preciso que haja regulação”, destacou ele no evento, realizado no Centro Cultural da FGV, no Rio de Janeiro (RJ).
O advogado-Geral da União lembrou que, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 2018 e 2023 houve crescimento de 360% em crimes de estelionato, o que é explicado em grande medida pela digitalização da vida. A cada 16 segundos, um cidadão brasileiro é vítima de um golpe, na maior parte das vezes golpes on-line.
“Vemos a migração de crimes de rua para crimes de redes”, sublinhou Messias. “As plataformas de redes sociais têm um modelo de negócio que, para obtenção de lucro, permite a prática de crimes. A questão central não é a tecnologia em si, mas o modelo de negócio por trás da tecnologia. É o negócio que tem que ser regulado, não a tecnologia. E não cabe aqui falar em autorregulação. As big techs não conseguem nem seguir seus próprios termos de uso! Então, qual o crédito que elas merecem da sociedade brasileira? Nenhum.”
Regulação x censura
Messias destacou que não se trata de censura, nem de demonização da tecnologia ou na internet. “A tecnologia em si não é nem boa, nem má. Um martelo na mão de um marceneiro pode construir um belo móvel, mas na mão de um assassino pode matar uma pessoa”, afirmou.
Ele utilizou como exemplo a Lei nº 15.100/2025 aprovada pelo Governo Federal em janeiro deste ano que restringe o uso de celulares por estudantes dentro de sala de aula. “Isso representa a vitória da boa política em defesa do interesse de crianças e adolescentes. Isso é o quê? É regulação. Quando ela é bem feita, ela protege vidas”, disse ele.
O advogado-geral da União ressaltou, ainda, que, quando se fala em desinformação ou fake news, não se trata apenas de informação equivocada. A desinformação é aquela que tem interesse claro e deliberado de obter vantagens econômicas e políticas.
Para ele, uma questão central do problema está na grande dependência tecnológica que o Brasil tem de empresas do Norte global.
“Um país continental, com mais de 210 milhões de habitantes, não pode mais se conformar com a enorme dependência tecnológica que temos hoje. O grande problema da desinformação decorre porque existe uma tecnologia que é controlada por poucas empresas estrangeiras, que não querem se submeter a legislações nacionais e que seguem uma doutrina pautada apenas pelo viés do lucro”, afirmou.
Oito de janeiro
A tentativa de golpe de Estado a partir da depredação realizada na Praça dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, é um importante símbolo para essa discussão sobre a responsabilização das plataformas de redes sociais porque foi convocada e estimulada por meio delas, afirmou Messias. Os atos golpistas foram combatidos pela Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD), criada dias antes pela AGU.
“Muitas das postagens veiculadas nas redes sociais no 8 de janeiro eram inclusive monetizadas pela plataforma. Havia até o chamamento para levar o movimento a outras partes do país, o que nós conseguimos evitar”, contou ele.
Por isso, na visão do advogado-geral da União, não há como tratar a defesa da democracia no Brasil de forma dissociada do combate à desinformação. Messias criticou o fato de partidos políticos estarem se associando a big techs para, pretensamente, defenderem a liberdade de expressão.
Ministros do STF concordam com regulação
Em sua fala, o ministro Alexandre de Moraes questionou o modelo de redes sociais que queremos: “Nós, enquanto sociedade de boa-fé, que respeita o Estado de Direito, estamos contentes com as redes sociais existentes? Quais redes sociais nós queremos para nossa democracia? Quais queremos deixar para nossos filhos?”.
Moraes destacou que liberdade de expressão não é liberdade de agressão. “Não podemos admitir que o nazismo e o racismo possam ser vistos como liberdade de expressão. Nós permitimos, nesse mundo virtual, que se cultue o que levamos décadas desde a 2ª Guerra Mundial para combater no mundo real. Isso é absurdo”.
A ministra Cármen Lúcia fez coro com o discurso de Moraes e Messias ao ressaltar que a regulação das redes sociais não se confunde com censura. “A minha geração, que sofreu com a ditadura, sabe muito bem o que é a mordaça. Usar a liberdade de expressão como instrumento para crimes é inadmissível”, afirmou ela. “Quando tínhamos somente carroças, não precisávamos de Código de Trânsito. Quando passamos a ter carros, foi preciso haver normas para evitar mortandade. A sua liberdade de locomoção não significa que você pode entrar na contramão ou dirigir bêbado, podendo causar danos a alguém. O mesmo vale para a regulamentação das redes sociais”, sintetizou a ministra.
A 12ª edição do Global Fact, que se iniciou nesta quarta-feira, vai até a próxima sexta (27/6) e é organizada pela International Fact-Checking Network (IFCN), do Instituto Poynter.
Assessoria Especial de Comunicação Social da AGU
Fonte: Advocacia-Geral da União