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sexta-feira, 29 de março, 2024
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Limite na infância, aliado importante para o desenvolvimento ético, moral e social!

Alguns adultos sentem-se inseguros para aplicar regras e estabelecer limites e recorrem a didáticas que não são pedagógicas. Porque alguns pais/responsáveis não conseguem mediar situações de birra, gritos e mau comportamento de forma consciente e paciente? Este artigo visa auxiliar famílias e profissionais que estão em busca de compreensão e auxílio para educação de suas crianças.

UM POUCO DE HISTÓRIA

Com o passar do tempo, houve uma mudança significativa na posição dos pais quanto à colocação de limites e das regras disciplinares para seus filhos.  Na década de 20, 30, tempo de nossos avós, os pais exerciam uma autoridade de cima para baixo, sem maiores questionamentos. O que os pais diziam era simplesmente uma ordem e ninguém se opunha a questionar. O relacionamento com os professores era totalmente diferente do que é hoje, e não havia só uma questão de respeito, mas também de medo. Existiam muitas regras e quem não as cumpria era punido com castigos. As crianças dessa época eram castigadas fisicamente, com varas e réguas, puxões de orelhas, ficavam em pé durante as aulas, ficavam virados para a parede, se ajoelhavam no milho, entre outras situações. 

Após a década de 30, a geração seguinte, massacrada pelo autoritarismo, ao assumir o lugar dos pais, agiu no extremo oposto, sendo muito permissiva. Com essa conduta, foram eliminadas as diferenças geracionais, uma vez que, o exercício da autoridade seguiu uma direção horizontal, onde a igualdade entre pais e filhos prevaleceu. Os padrões de comportamento, bem como os limites nas relações interpessoais, se perderam pelo caminho e surgiram sujeitos com mais direitos do que deveres, mais liberdade do que responsabilidade. Essa perda que ocorreu nos berços das famílias se reproduziu no ambiente escolar, onde os professores e até mesmo a escola perderam a autoridade.

                                    AUTORIDADE X AUTORITARISMO

Não podemos confundir autoridade com autoritarismo, pais e professores podem e devem exercer suas funções com segurança e sem culpa.

“A relação entre pais e filhos, professores e alunos é genuinamente uma relação de poder. Por isso, de certa maneira, o que está em jogo na indisciplina da criança é o fato de que a autoridade não foi respeitada. O diálogo é o meio legítimo para que se estabeleça o poder ou para que ele seja reconhecido.” (ARAÚJO, 2010 p. 03)

Muitas pessoas evitam dialogar ou até mesmo nem sabem como iniciar uma conversa, mas ela é o meio mais eficaz e humano de restabelecer o poder e de educar as crianças. Muitos pais e educadores também confundem a ideia de diálogo, com ceder sempre e acatar todas as decisões das crianças. Diálogo não é isso. Diálogo é esclarecimento, é respeito, é escuta, é troca e principalmente momento oportuno para mostrar à criança que ela tem o poder de ser escutada e de refletir sobre suas atitudes e escolhas.

Cabe a nós, como mediadores, ajudá-la a pensar sobre possíveis equívocos de sua parte e encontrar alternativas adequadas para a sua participação na tomada de decisões acerca de alguns assuntos.  

Lembrando que por trás de uma criança agressiva existe agressividade para com ela, ou seja, se você gritar, bater impor castigos sem explicações ela vai reagir assim com os amigos, colegas, professores.

Precisamos ter uma relação de autoridade com a criança e quando alguns pais da geração X (nascidos entre 1960 e 1980) e geração Y (nascidos entre 1980 e 1995) escutam isso, ficam assustados, confundido autoridade com autoritarismo. Os responsáveis sentem medo, ficam inseguros pensam que a criança não vai mais gostar deles, que a criança sentirá raiva, que a criança irá regredir no seu desenvolvimento. Na verdade a criança sente é segurança quando imposto limites no seu dia a dia.

Numa relação autoritária, de autoritarismo, nós obedecemos porque temos medo, ficamos submissos ao outro. E não é esse o nosso objetivo com as crianças. Não queremos que elas sejam robôs, que nos obedeçam por medo. Augusto Cury (2000, p.62) alerta que “O subconsciente armazena informações do passado podendo gerar depressão, traumas, fobias e pânico”.

Por isso, é importante diferenciar a função de autoridade, quando o diálogo favorece a internalização das regras, com o autoritarismo, que é um falso poder, pois é reconhecido pelo sentimento de medo a que uma pessoa é submetida.

Os pais de hoje foram os filhos, nas décadas de 60, 70, que lutaram contra todas as forças de repressão, por isso às vezes não impõem limites adequados aos seus filhos, com medo de parecerem autoritários.

É desde cedo e de maneira bem clara […]” que pais devem impor os limites. A importância do “não” e do estabelecimento das regas é fator organizador na estruturação subjetiva do ser humano é o que nos diz o Içami Tiba (1996, p. 35), especialista neste assunto.

QUANDO DIZER NÃO E IMPOR LIMITES?

Com um ano de idade aproximadamente a criança precisa aprender a ouvir a palavra “não” e os pais a pronunciá-la.

O “não” da criança, enquanto demonstrativo do processo de construção do pensamento e de lugar na relação com o outro, aparece na verdade, por volta dos nove meses, quando balança a cabeça de um lado para o outro, revelando através dessa atitude que não deseja algo que lhe é proposto. Além disso, no tempo da mamada, por volta do primeiro mês de vida, quando afasta a cabeça do peito materno, também se evidencia um sinal explicito de negatividade.

Portanto, antes do “não” verbal já existem outros chamados “gestuais”, que fazem parte da construção dos limites no processo do desenvolvimento infantil.  Então já podemos responder à questão: Quando devemos começar a impor limites? Desde o nascimento.

É importante deixar claro que estabelecer limites não é tarefa fácil, mas muito mais complicado é mantê-los.  Nós, educadores e familiares, devemos estar preparados para enfrentar choros, resmungos, birras, gritos e nos propormos a vencer nosso próprio comodismo. Mas é um dever importante para que a criança possa se socializar, pois terá regras claras, que ajudam no desenvolvimento da autonomia, ao mesmo tempo que nos dará credibilidade, pois passaremos segurança. É muito importante também que, uma vez determinado um “não”, o adulto não diga um “sim”, pois toda intervenção estará perdida. É nesta atitude que os pais perdem a credibilidade e respeito, por isso, deve-se manter o que foi proposto. Não faça ameaças! No e-book: Reflexões Sobre Atividades Lúdicas que escrevi com meu marido e pedagogo Maximiliano, citamos:

“Outro grande erro dos pais é fazer ameaças e chantagens com seus filhos. Isso trará grandes consequências no futuro e que não serão positivas. A criança vai entender que se você não cumpre o que diz, por que então deverá manter a palavra dela? Não esqueça: você é um grande exemplo para ela. Falou que vai fazer, faça! “ (Rauzer e Sousa, 2020 p. 23).

Alguns pais/responsáveis que com a intenção de minimizar choros mentem para a criança. Isso é gravíssimo. A criança precisa da verdade, independente se vai satisfazê-la ou não.  

Nossa filha sempre recebeu verdades e sinto que isso a deixou mais compreensiva e tranquila. Terminou o tempo dela de brincar no parque, a gente explica que acabou o tempo ou o dinheiro e que vamos para casa, outro dia voltaremos e ela aceita. Mas para as crianças que os pais criam histórias inverídicas além de perder a confiança e credibilidade ela vai ficar cada vez mais enfurecida, insegura e saberá que em outras situações o que ele (a) diz não vai acontecer aumentando ainda mais os choros e birras.

Lembro que a Heloísa (nossa filha com três anos) ganhou um diploma de coragem quando foi tirar o sangue, isso porque ela não chorou.  A gente explica o que vai acontecer e a importância do exame. Não podemos mentir e dizer que não vai doer, porque vai. Então a gente fala: filha a agulhinha vai entrar para tirar o sanguinho, vai dar uma dorzinha, pois vai furar, mas vai passar… Isso é importante para saber como estão suas vitaminas, se vai precisar tomar remédios ou não para manter seu corpo saudável. Ela mesmo quando vai tomar vacina explica: Essa injeção trás um líquido que tem poder, entra no nosso corpo heróis que não vão deixar os vilões me atacarem e não vou ficar doente… É importante terem consciência do porque aquilo está sendo realizado.

ÉTICA E MORAL NA INFÂNCIA

As crianças imitam os adultos e são observadoras, tanto que as atitudes dos adultos tem um efeito maior que as palavras.

Jean Piaget (1983) aponta que os valores morais da criança se constroem a partir de uma interação do sujeito com os ambientes sociais. Na convivência, em sociedade, a criança irá construir seus valores, princípios e normas morais.

Pensando nisso, nós, educadores e pais, precisamos ter a consciência da “imagem” que estamos passando para nossas crianças, o que estamos permitindo que elas vejam na televisão, internet, escutem no rádio, comprem nos mercados…

Á medida que a criança se desenvolve, os esquemas de assimilação sofrem alterações de forma que ela consegue resolver situações de acordo com suas estruturas cognitivas e seus conhecimentos prévios. Essa ideia é importante para que possamos entender que a compreensão das regras e internalização dos limites é um processo que precisa ser construído pela criança.

É claro que educar pode ser exaustivo, precisamos parar e dialogar muitas vezes, ter paciência, explicar e reexplicar as regras para que a criança assimile e acomode de uma forma compreensiva e por isso utilizar recursos concretos e visuais são ferramentas importantes neste processo.

A criança passa por etapas no seu desenvolvimento e temos que respeitar cada fase e ampará-la para que aprenda a organizar seus argumentos, pensamentos e atitudes.

Segundo Piaget (1983), sempre que a criança se depara com uma situação nova, tem a capacidade de modificar sua estrutura mental a fim de dominar a nova situação. Isso Piaget denominou  acomodação.

O desenvolvimento moral para Piaget se pauta em três fases:

Anomia: ocorre com crianças de até 05 anos, momento em que a moral não se coloca. As regras são obedecidas não por consciência do certo e do errado, mas por simples hábito. Heteronomia: ocorre com crianças com até 09 ou 10 anos de idade, neste momento ela sabe que o certo é cumprir a regra imposta e atitudes contrárias são incorretas. Autonomia: neste momento a criança já consegue compreender a legitimação de uma regra. O respeito a estas regras se dá por acordo mútuo. Esta é a última fase do desenvolvimento moral.” (PIAGET, 1983, p 54).

Yves de La Taille é especialista em Psicologia Moral (a ciência que investiga os processos mentais que levam alguém a obedecer ou não a regras e valores) e é muito respeitado quando o assunto é Limites. Em seu livro Ética para meus pais (2011), La Taille coloca que as noções de moral e ética começam a aparecer desde cedo na criança e que por volta dos 03, 04 anos começa a perceber que há diferença entre deveres rotineiros, como tomar banho na hora certa, fazer as refeições, e os deveres morais.

Nessa fase a criança é heterônima, ou seja, ela entrou no mundo da moral e da ética, mas costuma esposar os valores do meio onde está. Só a partir dos 09, 10 anos é que ela se torna autônoma e começa a demandar critérios racionais, além de usar apenas fontes prestigiosas, como pais e irmãos, para decidir o que é certo e errado.” (LA TAILLE, 2011, p. 21).

O autor, em uma entrevista à Revista Nova Escola, disse que “[…] nossos alunos precisam de princípios, não só de regras […]”, referindo-se ao fato de que para vencer a indisciplina é preciso investir na formação ética de nossos alunos, ou seja, não basta criar regras, punições, reclamar da indisciplina, se pais e educadores não transmitirem os valores éticos e morais. Estas questões não são geneticamente transmitidas e, sim, aprendidas com o convívio social e afetivo.

Um exemplo interessante que La Taille nos dá, é que não adianta somente dizer aos alunos “Ninguém pode atender o celular em sala de aula!” e que, se por acaso alguém descumprir a “regra”, será punido. O que os alunos precisam saber é que, atendendo ao celular, estarão prejudicando outras pessoas, o andamento da aula. Ter essa noção e respeitá-la, isso é ser ético.

LIMITE E AUTONOMIA

No dicionário Priberan da Língua Portuguesa, limite é definido como uma linha que separa superfícies ou terrenos contíguos, ou momento ou espaço que corresponde ao fim ou ao começo de algo.

Trazendo esse conceito para a nossa abordagem pedagógica e apoiado em referenciais teóricos, José Outeiral (1994, p.34) nos diz que temos ligado a palavra limites a algo negativo. Segundo ele, “[…] limite significa a criação de um espaço protegido […]” no qual a criança ou o adolescente “[…] poderá exercer sua espontaneidade e criatividade sem receios e riscos […]”.  De acordo com esse autor, os filhos esperam dos pais limites bem claros e delimitados.

Piaget (1994), na mesma direção, coloca que a nossa sociedade precisa de indivíduos autônomos, capazes de pensar, não apenas de obedecer a regras pré-estabelecidas, imutáveis.

“As relações de respeito unilateral e de coação, que se estabelecem espontaneamente entre o adulto e a criança, contribuem para a constituição de um primeiro tipo de controle lógico e moral (…) Do ponto de vista intelectual, o respeito que a criança tem pelo adulto tem por efeito provocar o aparecimento de uma concepção anunciadora da noção de verdade: o pensamento deixa de afirmar simplesmente o que lhe agrada, para se conformar com a opinião do ambiente.”(PIAGET, 1994, p. 298)

Diante dessas afirmações, pode-se perceber o quanto é desafiador aos adultos trabalhar com limites junto às crianças. Faz-se necessário promover situações de cooperação entre adulto e criança para promover a autonomia.

Pode-se afirmar que impor limites, segundo Yves de La Taille (2006, 28.), “[…] é estar de acordo com a moral heterônoma […]”, ou seja, visa à obediência da regra e não ao seu entendimento. Sendo assim, não basta explicar regras e estabelecer combinações, as crianças precisam compreendê-las. Como? Através do diálogo, da argumentação, da mediação, para que a acomodação seja feita. Sugiro sempre meios lúdicos para qualquer explicação, seja através de brincadeiras, jogos, livros, filmes, cartazes, utilizar recursos que auxiliarão na real compreensão.

De acordo com Dante Donatelli (2006), as mudanças sociais e econômicas das últimas décadas levaram a uma mudança na estrutura familiar, em que pais e mães estão ausentes e as crianças perderam referências, “[…] porque não há mais nem a figura materna nem a paterna no cotidiano dos filhos […]”. Além disso:

“Vivemos em uma sociedade extremamente contraditória – um contexto irresponsável, de baixa capacitação e responsabilização dos indivíduos, associado à cultura extremamente narcisista ligada ao consumismo. Trocamos o estado formativo e às vezes punitivo dos filhos por um estado compensatório material. Se você fizer tal coisa, te dou tal coisa. É um ciclo perverso.” (DONATELI, 2006, p.02)

O autor ainda cita como exemplo os momentos de refeição, em que as pessoas, além de comer, compartilham as experiências. Ele questiona: “Como é que você pode estabelecer processos formativos se não sabe da vida cotidiana do seu filho? Não é possível formar alguém sem estar presente fisicamente”. (DONATELI, 2006, p.02)

Os pais se culpam por estarem muito tempo ausente e acabam sendo permissivos, mas devem compreender que a falta de limites tem consequências negativas para o desenvolvimento da criança. A criança que não consegue conviver com regras terá dificuldades em se relacionar com outras pessoas. E de respeitar as regras sociais.

Os pais e educadores precisam levar a sério a importância dos limites na infância  pois este é o alicerce para a adolescência e vida adulta. Segundo a psicóloga Maria Cristina Capobianco (2010, p.07), “[…] os limites ajudam a criança a tolerar frustrações e adiar sua satisfação”.

“A criança tem que apreender a esperar sua vez, a compreender que existem outros e que precisa compartilhar. A insuficiência de limites pode conduzir a uma desorientação, a uma falta de noção dos outros, de respeito, à criminalidade em alguns casos extremos. “(CAPOIBANCO, 2010, p.07)

 Não é justificável os pais dizerem que passam pouco tempo com filho e por isso não querem “brigar” com ele, ou como já ouvi inúmeras vezes que o dia no trabalho foi cansativo e não querem se estressar mais, não têm paciência de explicar o que é certo e errado, por isso a criança pode fazer o que quiser desde que não os incomode.

Se temos a intenção de fazer de nossas crianças cidadãos responsáveis e dignos, comecemos a prestar mais atenção na educação que lhes proporcionamos.

Ensinar-lhes a tolerar frustrações, estabelecer de forma dialogada e compartilhada regras a serem respeitadas, limites a serem observados, são medidas eficientes e preventivas para a formação de seu caráter.

Concluo essas reflexões com a contribuição de Mirian Altman (2012) que afirma:

“É preciso que os pais possam aceitar as reações de agressividade e sofrimento dos filhos perante suas frustrações, de maneira a permitir que eles se desenvolvam. Freud dizia que a capacidade para pensar é uma atividade bastante complexa, que só pode se desenvolver no ser humano quando ele é capaz de se confrontar com obstáculos e dificuldades para, a partir daí, encontrar novas soluções a alternativas. O sofrimento faz parte da vida e, tentar poupar os filhos dessas experiências, é prejudicá-los no enfrentamento da vida. Nesse sentido, o que a psicanálise nos mostra é que só através dessas vivências a criança pode formar um aparelho mental mais fortalecido.

Psicopedagoga Juliana Rauzer