O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) realizou, nesta quinta-feira (27), o Seminário Nacional das Trancistas, encontro que destacou a importância da regulamentação da trançagem como ocupação formal e evidenciou o impacto econômico, cultural e social da atividade na vida de milhares de mulheres brasileiras. O evento reuniu profissionais de diferentes regiões do país, que relataram como a prática ancestral se tornou fonte de renda, autonomia e reconhecimento.
A brasiliense Juliana Cardoso da Silva, 31 anos, é um exemplo dessa transformação. Mãe solo de três filhos, descobriu na trançagem uma alternativa de sustento durante a pandemia, investindo parte do auxílio emergencial em um curso. “Aprender a trançar me salvou. Era o que eu tinha para sustentar meus filhos. Hoje, pago até o tratamento da minha filha mais nova, que é autista, com o dinheiro das tranças”, afirmou. Segundo ela, a profissão trouxe autonomia e estabilidade: “Hoje vivo bem. Melhor do que antes.”
História semelhante é a de Laís de Moraes, também de 31 anos, que começou a trançar para reduzir gastos com o cuidado das três filhas e transformou a prática em profissão. “É afeto, resgate, fortalecimento. Conquistei minha casa própria graças às tranças. Mudou minha vida mil por cento.” Para Laís, a inclusão da ocupação na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) representa um marco de respeito e acesso a direitos: “Sempre perguntavam se eu tinha ‘outra profissão’. Agora não há mais essa barreira.”
A dimensão afetiva e cultural das tranças também foi destacada durante o seminário. Ivania Rodrigues de Almeida, 58 anos, servidora do MTE, relembrou que aprendeu a trançar com a mãe e manteve a tradição ao longo da vida, ensinando sobrinhas e afilhadas. “É arte, é trabalho digno, é renda”, afirmou, destacando a importância da regulamentação para a valorização da prática.
Do Rio de Janeiro, Jaqueline Rosa de Souza Carvalho, 50 anos, reforçou o caráter ancestral da atividade. Trançando desde os 10 anos, ela é filha e neta de trancistas e hoje vê a filha seguir o mesmo caminho, comandando seu próprio salão. “A gente era vista como artesã, como se fosse um bico. Não é. É profissão, é conexão. Trançar é conversar, ouvir, criar vínculo. É quase uma terapia”, ressaltou. Jaqueline defende que a trança seja reconhecida como patrimônio imaterial brasileiro: “É cultura africana viva. É ancestralidade.”
Para Waldir Damasceno, coordenador do Instituto Latino-Americano de Tradições Afro-Bantu, o reconhecimento das trancistas vai além da formalização trabalhista. “Trançar é um ato de cuidado, cura, espiritualidade e preservação de saberes ancestrais. Cada trança carrega história, ancestralidade e resistência”, destacou. Ele também ressaltou o papel pedagógico da prática: “É uma ferramenta de educação antirracista, que fortalece a identidade e revaloriza uma história que tentaram apagar.”


