União se compromete a elaborar plano nacional de enfrentamento ao racismo estrutural

STF retomou nesta quarta-feira julgamento sobre racismo estrutural - Foto: Gustavo Moreno/STF

A Advocacia-Geral da União (AGU) manifestou, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), o compromisso da União com o combate ao racismo estrutural assim como a disposição do governo federal para a elaboração de um Plano Nacional de Enfrentamento ao Racismo Institucional.

O tema é tratado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 973, cujo julgamento foi retomado nesta quarta-feira (26/11), em sessão plenária do Supremo.

A ADPF foi proposta pelo Partido dos Trabalhadores, Partido Socialismo e Liberdade (PSOL); Partido Socialista Brasileiro (PSB); Partido Comunista do Brasil (PCdoB); Partido Verde (PV); Partido Democrático Trabalhista (PDT); e Rede Sustentabilidade (REDE).

Na ação, ajuizada em maio de 2022, os partidos apontam violações a preceitos fundamentais decorrentes de ações e omissões estatais responsáveis pela violação sistemática dos direitos a vida, saúde, segurança e alimentação da população negra, especialmente diante da crescente letalidade institucional, do enfraquecimento de políticas de saúde e das dificuldades de acesso a condições dignas de existência. Os autores da ação pedem que a União, com a participação de organizações da sociedade civil e do movimento negro, elabore e implemente um Plano Nacional de Enfrentamento ao Racismo Institucional e à Política de Morte à População Negra.

Plano Nacional

Em nova manifestação enviada ao STF nesta quarta-feira, a AGU reiterou o compromisso do Poder Público Federal com o enfrentamento do problema, detalhando ações já implementadas, medidas em curso e iniciativas planejadas.

Além das iniciativas e políticas já desenvolvidas no âmbito da Administração Pública Federal, a União reafirmou ao STF o compromisso, já manifestado nos autos da ADPF, de elaborar, em prazo razoável, um Plano Nacional de Enfrentamento ao Racismo Institucional.

A AGU salientou a importância da atuação conjunta de todos os entes federativos, em suas diferentes esferas de poder. “A complexidade e a profundidade das desigualdades que atingem a população negra exigem atuação coordenada, contínua e integrada entre todos os atores estatais e sociais. Somente com essa ação conjunta é possível consolidar políticas duradouras, capazes de transformar realidades e garantir que os avanços até aqui conquistados se mantenham e se ampliem para o futuro”, assinalou a AGU no documento.

“O Governo Federal, por meio do Ministério da Igualdade Racial, manterá seu protagonismo na coordenação do processo, articulando a participação da sociedade civil — especialmente do Movimento Negro — e dos demais entes federativos, de modo a construir diretrizes que tornem o plano nacional efetivo, colaborativo e viável em todo o território nacional”, diz a manifestação ao STF.

Enfrentamento

A AGU sustenta na manifestação que a realidade vigente à época do ajuizamento da ADPF, em maio de 2022, não subsiste. “O compromisso do Estado brasileiro com a promoção da igualdade racial — alicerçado na Constituição — passou a se expressar não apenas em declarações políticas, mas em políticas concretas e programas estruturados, que são, nesta oportunidade, apresentados a esta Suprema Corte”, diz trecho do documento entregue ao STF.

Entre os avanços, destaca-se a sanção da Nova Lei de Cotas no Serviço Público (Lei nº 15.142/2025), que ampliou o percentual de reserva de vagas de 20% para 30% e estendeu sua aplicação a pessoas pretas e pardas, indígenas e quilombolas, bem como assegurou que candidatos cotistas concorram também na ampla concorrência e participem de todas as etapas dos certames quando alcançarem a nota mínima exigida.

A AGU também ressaltou a publicação do Decreto nº 11.443/202 que estabeleceu percentual mínimo de 30% de vagas em cargos em comissão e funções de confiança no âmbito da administração pública federal (direta, autárquica e fundacional) para pessoas negras.

Medidas

Na manifestação, a AGU sustenta que o governo federal vem demonstrando contínuo comprometimento com a agenda da igualdade racial, sendo a instituição do Ministério da Igualdade Racial (MIR) um exemplo disso. Entre as atribuições da pasta está a implementação de políticas voltadas à promoção da igualdade racial e étnica, tendo como áreas de competência as ações afirmativas e de combate e superação do racismo e as políticas para quilombolas, povos de comunidades tradicionais de matriz africana, povos de terreiro e ciganos, dentre outras ações.

Na manifestação encaminhada ao STF, destacam-se também a adoção, pelo MIR, de medidas voltadas ao enfrentamento da violência policial contra a população negra, ações voltadas à formação para quaisquer servidores públicos sobre relações raciais e o enfrentamento ao racismo institucional no âmbito da administração pública, além de medidas para o estabelecimento de centros de referência multidisciplinares para o atendimento de pessoas vítimas do racismo institucional, com a priorização do atendimento de mães e órfãos vítimas da violência institucional, garantindo-se apoio jurídico, psicológico e social às vítimas.

Outra das ações destacadas foi a instituição do Programa de Formação de Iniciativas Antirracistas, fruto de um protocolo de intenções firmado entre o MIR e a Escola Nacional de Administração Pública (Enap), cujo principal objetivo é a elaboração, a execução e a promoção de programas e projetos de capacitação de recursos humanos e de desenvolvimento de competências com vistas a combater o racismo e promover a igualdade racial na Administração Pública Federal.

Destaca-se também Termo de Execução Descentralizada firmado com o Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), com vistas a desenvolver estudos e pesquisas e disseminar conhecimentos para fortalecimento das políticas de igualdade racial e enfrentamento ao racismo.

O MIR ainda instituiu o Programa Aquilomba Brasil, com o objetivo de promover medidas intersetoriais para a garantia dos direitos da população quilombola relacionados, dentre outros, à regularização fundiária; segurança e soberania alimentar e nutricional; educação; saúde; assistência social; saneamento e infraestrutura básica; gestão territorial e ambiental. Além disso, o programa visa à implementação de políticas públicas destinadas à conscientização dos direitos da população quilombola; o combate à violência à população quilombola; a proteção do patrimônio cultural, material e imaterial, dos costumes, das tradições e das manifestações culturais quilombolas; e a sistematização de dados e a garantia da utilização destes no aprimoramento de políticas públicas destinadas a essa população.

Mais recentemente, durante a COP 30, a 30ª edição da Conferência das Partes da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima), realizada em Belém (PA), o Ministério da Igualdade Racial, articulou para promover a visibilidade de populações vulnerabilizadas e a introdução de terminologia e marcos para justiça climática com perspectiva racial. Pela primeira vez, os documentos oficiais da COP30 passaram a mencionar explicitamente “pessoas de ascendência africana/afrodescendentes” como grupo vulnerável às mudanças climáticas, no contexto de transição energética, adaptação, gênero e justiça climática.

Direitos Humanos

No âmbito do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), a AGU demonstrou ao STF a adoção de ações transversais voltadas ao enfrentamento do racismo institucional, contribuindo para a criação de ambientes territoriais mais seguros para a população negra. Um dos destaques é a instituição da Ouvidoria Nacional de Direitos, canal para receber, tratar e encaminhar denúncias de violações de direitos humanos, entre as quais se incluem os casos de racismo.

O Disque Direitos Humanos – Disque 100 é outro serviço de utilidade pública do MDHC destinado a receber demandas relativas a violações de direitos humanos, especialmente as que atingem populações em situação de vulnerabilidade social. Em 2024, foram registradas no Disque 100 um total de 4.228 denúncias de racismo, injúria racial e violência política e étnico-racial, o que demonstra a importância da ferramenta na identificação e no combate às violações de direitos humanos relacionadas ao racismo.

A pasta criou, ainda, uma Diretoria de Promoção dos Direitos da População em Situação de Rua, a quem cabe atuar na elaboração dos planos, programas e projetos relacionados à Política Nacional para a População em Situação de Rua, além de coordenar e propor medidas que assegurem a articulação intersetorial das políticas públicas federais.

Justiça e Segurança Pública

Entre as ações estruturantes desenvolvidas com o objetivo de reduzir a letalidade decorrente de intervenções de agentes de Estado e enfrentar o racismo institucional, está a edição das portarias MJSP nº 439/2023 e nº 518/2023. O objetivo é melhorar a prestação dos serviços de segurança pública por meio do fortalecimento de capacidades institucionais em processos e padronização de procedimentos, transformação digital, elaboração de códigos de conduta de uso da força e utilização de câmeras corporais.

Outra ação que se alinha aos esforços de combate ao racismo é a celebração de acordo entre a Polícia Rodoviária Federal, a Educafro Brasil e o Centro Santo Dias de Direitos Humanos, por meio do qual a União assumiu o compromisso de desenvolver e implementar projeto voltado ao enfrentamento do racismo estrutural e institucional, incluindo a avaliação, análise e revisão da questão racial nos padrões de atuação da Polícia Rodoviária Federal.

Saúde

No campo de atribuições do Sistema Único de Saúde (SUS), destaca-se a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, cujo objetivo central é “promover a saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnico-raciais, o combate ao racismo e à discriminação nas instituições e serviços do SUS”.

O atual governo também criou a Coordenação de Atenção à População Negra, incumbida de proceder a normatização, promoção e coordenação das ações de atenção primária à saúde da população negra; aprimoramento da coleta de dados e desenvolvimento de pesquisas relacionadas à saúde da população negra. Dentre suas ações, ressaltam-se as visitas técnicas aos territórios e o apoio aos entes federados das três esferas de governo na construção e implementação de estratégias voltadas à saúde da população negra.

Desenvolvimento Social

Na assistência e proteção social, o combate à desigualdade racial foi reforçado por meio da política alimentar, sobretudo com a retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a implementação do Programa Nacional de Cozinha Solidária, ambos instituídos pela Lei nº 14.628/2023.

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MSD) é um dos principais instrumentos de fortalecimento da agricultura familiar e de promoção da segurança alimentar e nutricional, tornando-se exemplo para o mundo. Em 2023, o PAA assumiu novo formato, priorizando o fomento da produção familiar de povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais, assentados da reforma agrária, negros, mulheres e juventude rural.

Mulheres

A partir de uma visão interseccional, foram publicados diplomas normativos que figuram como instrumentos de combate à violência política de gênero e raça. Destaca-se o Decreto Federal n.º 11.485/2023, que instituiu Grupo de Trabalho Interministerial com o objetivo de elaborar a Política Nacional de Enfrentamento à Violência Política Contra as Mulheres, bem como seu Plano de Ação e Relatório Final. O GTI é coordenado pelo Ministério das Mulheres e composto também pelo Ministério da Igualdade Racial, Ministério dos Povos Indígenas, Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Ministério da Justiça e Segurança Pública e pela Presidência da República.

Gestão e Inovação

Em relação às ações de enfrentamento ao racismo institucional no âmbito da administração pública adotadas pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), destaca-se o Programa LideraGOV. A quarta edição do programa, lançada em 2023, foi destinada extraordinariamente para pessoas negras, voltada a fortalecer a agenda de Igualdade Racial e a ampliar oportunidades para a população negra nas estruturas estatais.

Já na quinta edição do programa, em andamento desde maio deste ano, o público-alvo se constitui de servidores públicos federais que se identificam como pessoas com deficiência ou como pessoas negras, com foco na promoção da diversidade e no fortalecimento de novas lideranças.

Educação

Na manifestação, a AGU citou, ainda, as ações e programas desenvolvidos pela Administração Pública Federal em relação à educação da população negra. Como destaque, cita-se a Lei n.º 14.723/2023, que atualizou a Lei n.º 12.711/2012, para tratar do programa especial para o acesso às instituições federais de educação superior e de ensino técnico de nível médio de estudantes pretos, pardos, indígenas e quilombolas e de pessoas com deficiência, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio ou fundamental em escola pública.

A AGU também informou aos ministros quanto à reinserção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) na estrutura do MEC pelo Decreto nº11.342/2023 (posteriormente substituído pelo Decreto nº 11.691/2023). Dentre suas unidades, destaca-se Diretoria de Políticas de Educação Étnico-Racial e Educação Escolar Quilombola (Diperq), responsável por apoiar a implementação de políticas educacionais que promovam o acesso, a permanência e a aprendizagem, com equidade, da população negra e da população quilombola em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino.

Advocacia pública

Na manifestação enviada ao STF, a AGU também informa que tem envidado esforços no enfrentamento das desigualdades e do racismo no Brasil, destacando-se o Programa Esperança Garcia – Trajetórias Negras na Advocacia Pública, de iniciativa da AGU em parceria com o Ministério da Igualdade Racial. O programa confere bolsas e cursos preparatório para apoiar pessoas negras candidatas aos concursos da advocacia pública, com vistas a aumentar a presença de pessoas negras na advocacia pública.

A participação fundamental da AGU no desenvolvimento da plataforma JurisRacial (https://jurisracial.agu.gov.br/), lançada em 21 de novembro de 2024, construída em parceria com o Ministério da Igualdade Racial, o Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do DF, e a Associação Nacional dos Procuradores Municipais é outra atuação relevante. A plataforma consiste em um repositório que reúne normas e decisões judiciais referentes ao enfrentamento do racismo e à promoção da igualdade racial.

Ainda, recentemente, foi instituída a Comissão Técnica de Redação com a finalidade de elaborar proposta de protocolo de atuação da Advocacia-Geral da União com enfoque em gênero, raça, etnia e demais interseccionalidades. Na mesma linha, a Procuradoria-Geral Federal (PGF) estabeleceu diretrizes internas para prevenção do uso de linguagem racista, com recomendações de não utilização de expressões linguísticas que reproduzem preconceitos históricos em documentos e pronunciamentos oficiais.

Assessoria Especial de Comunicação Social da AGU

Fonte: Advocacia-Geral da União