18 países da própria União Europeia são contra lei que entra em vigor no fim de dezembro

A poucos meses da entrada em vigor da lei da União Europeia que exige comprovação de origem para produtos agropecuários, cresce a pressão internacional para que o bloco reveja pontos sensíveis da chamada “lei antidesmatamento”. A norma europeia, prevista para valer em dezembro, afeta diretamente cadeias produtivas como soja, café, cacau, carne bovina e madeira — todas com forte presença na pauta exportadora brasileira.

A principal exigência da legislação é que empresas que vendem para o mercado europeu comprovem, por meio de georreferenciamento e auditorias, que sua produção não está ligada a áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020.

O problema, segundo técnicos, lideranças rurais e representantes do setor, é que o sistema proposto demanda alto grau de rastreabilidade, aumento expressivo nos custos e estrutura tecnológica que ainda não está amplamente disponível em todos os níveis da cadeia.

Nesta segunda-feira (07.07) 18 países da própria União Europeia enviaram uma carta à Comissão pedindo que a lei seja simplificada e adiada. O grupo defende que regiões com baixo índice de desmatamento deveriam ser tratadas com menos rigidez e que as exigências atuais são “desproporcionais e burocráticas”.

Segundo a carta, as novas regras impõem “obrigações burocráticas desnecessárias”, especialmente para países e regiões consideradas de “baixo risco de desmatamento”. A argumentação central é que os custos para rastrear toda a cadeia de produção — desde a propriedade rural até o ponto de exportação — serão excessivos e, em alguns casos, impossíveis de implementar com segurança jurídica. Além disso, a elevação dos custos logísticos e operacionais poderá impactar o preço dos alimentos e reduzir a competitividade dos produtos exportados.

Para o Brasil, maior exportador global de soja e segundo maior de carne bovina, a regra levanta preocupações práticas. Se não houver ajustes, milhares de produtores podem ser excluídos do mercado europeu, mesmo cumprindo a legislação ambiental brasileira. Isso porque, diferentemente de outros países, o Brasil já adota o Código Florestal, que estabelece regras rígidas para preservação e uso da terra, inclusive com a exigência de reserva legal e áreas de proteção permanente.

O tema também acende alertas dentro do país. No Supremo Tribunal Federal (STF), segue em aberto a análise da Lei nº 11.086/2020, de Mato Grosso, que condiciona o acesso a incentivos fiscais à comprovação de que os produtos agropecuários não tenham origem em áreas desmatadas ilegalmente ou sob embargo ambiental.

O caso está sendo julgado na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.049, movida pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). O argumento é de que a lei invade competência da União para legislar sobre comércio exterior e incentivos fiscais. O julgamento foi iniciado, mas está suspenso por pedido de vista desde 2023, feito pelo ministro André Mendonça.

Enquanto isso, produtores e cooperativas buscam alternativas. Algumas empresas estão investindo em ferramentas de rastreamento por satélite e blockchain, outras tentam adaptar sistemas já existentes. Mas há um consenso no setor: sem uma política clara e sem apoio técnico, os pequenos e médios produtores podem ficar à margem dessas mudanças.

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) já alertou para os riscos de exclusão e perda de competitividade. “Não somos contra a rastreabilidade, mas as regras precisam respeitar a realidade do campo”, afirmam dirigentes da entidade.

18 países da própria União Europeia são contra lei que entra em vigor no fim de dezembroIsan Rezende (foto), presidente do Instituto do Agronegócio (IA), defende que o problema seja enfrentado com firmeza não apenas pelos produtores, mas por toda sociedade e principalmente pelos governos estaduais e central.

“Essa tentativa de impor restrições comerciais disfarçadas de preocupação ambiental precisa ser enfrentada com firmeza. O setor produtivo brasileiro já tem uma das legislações ambientais mais rigorosas do mundo. Vincular incentivos fiscais a critérios subjetivos e mal definidos, como a chamada ‘moratória’, é desconsiderar todo o esforço de regularização feito nos últimos anos”, comentou Isan.

“O grande risco dessas propostas é penalizar o produtor rural que trabalha dentro da legalidade, especialmente nos estados que avançaram no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e em boas práticas. Não é razoável aplicar as mesmas exigências a regiões com dinâmicas completamente distintas de uso da terra. Isso só aumenta a insegurança jurídica e afasta investimentos”, continuou Rezende.

O presidente do IA defendeu políticas públicas que incentivem a sustentabilidade com base em dados técnicos e diálogo com o setor. “A lei aprovada em Mato Grosso – que está em discussão no STF – é um exemplo de como o Brasil pode criar soluções próprias, eficazes e adaptadas à realidade do campo, sem precisar importar modelos que não respeitam nossas especificidades. É ela que deveria servir de referência para um pacto nacional de equilíbrio entre produção e preservação”, completou Isan Rezende.

O que muda com a lei antidesmatamento da União Europeia

  • A partir de 30 de dezembro de 2025, toda empresa que exportar soja, café, cacau, carne bovina, madeira e óleo de palma para países da União Europeia precisará:
  • Comprovar que os produtos não vêm de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020, mesmo que o desmatamento seja legal no país de origem.
  • Fornecer dados georreferenciados de cada propriedade produtora (coordenadas exatas de onde foi extraída a matéria-prima).
  • Apresentar declaração de conformidade com as regras ambientais e trabalhistas locais.
  • Assumir responsabilidade legal sobre a veracidade das informações fornecidas.
  • Quem será mais afetado?
    Pequenos e médios produtores que ainda não utilizam sistemas robustos de rastreamento ou não têm apoio técnico para implementar as exigências.
  • O risco?
    Perda de mercado, aumento de custos e exclusão de fornecedores brasileiros do mercado europeu.
  • O que está em debate?
    Se estados podem impor exigências ambientais mais rígidas que as previstas na legislação federal.
  • O resultado pode afetar programas de incentivos, acesso a crédito e políticas de comércio exterior.

Fonte: Pensar Agro