Reconhecimento da profissão de trancista valoriza tradição afro e impulsiona inclusão produtiva

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) deu um passo histórico ao oficializar a criação de uma Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) específica para o ofício das trancistas. A medida reconhece, pela primeira vez, a relevância econômica, social e cultural dessa atividade, tradicionalmente exercida por mulheres negras nas periferias urbanas do país.

A nova ocupação já consta no sistema da CBO com o código 5161-65 e é fruto de um processo de escuta ativa com lideranças do setor, além da mobilização de gestoras públicas comprometidas com a promoção da igualdade racial. A chefe da Assessoria de Participação Social e Diversidade do MTE, Anatalina Lourenço, uma das principais articuladoras da mudança, destaca tanto o valor simbólico quanto os efeitos práticos da formalização.

“Cresci em um ambiente cercado por mulheres que trançavam, e entendo esse ato como algo que vai muito além da estética”, Anatalina. Ela explica que o ato de trançar é um momento de cuidado, de conversa, de afeto. “É uma roda de cura”, conta Anatalina. Para ela, o ato de trançar também é um espaço de memória e resistência, onde se compartilham histórias, dificuldades e sonhos. “A trança vai se formando como quem borda um tecido de memórias”, completou.

A proposta de criação de uma CBO específica para trancistas surgiu a partir da realidade vivida por profissionais em Salvador. Sem reconhecimento formal, muitas atuavam à margem da legalidade, enfrentando insegurança jurídica e risco de repressão. A partir dessa demanda, o Ministério do Trabalho e Emprego iniciou um processo de diálogo com lideranças e coletivos do setor, como o Transando Artes, de Jundiaí (SP), fundado pelo ativista do movimento negro Vanderlei Vitorino.

A atualização da CBO reconhece o papel das trancistas não apenas no cuidado estético, mas também na promoção da saúde capilar. Com a formalização, essas profissionais passam a ter acesso a direitos trabalhistas, à previdência social e a políticas de apoio ao empreendedorismo. A nova descrição da ocupação incorpora também os termos “trançadeira capilar” e “artesã capilar”, valorizando a diversidade de atuações e saberes envolvidos nesse ofício.

Segundo Anatalina, a formalização da ocupação é parte de uma estratégia maior do MTE voltada à população negra. “O racismo é abissal. As ações do Estado devem partir do reconhecimento disso. Temos buscado atuar por meio de políticas como o Plano Juventude Negra Viva, com foco na qualificação e na inclusão produtiva, mas ainda estamos muito distantes de alcançar uma equidade real”, avaliou.

Ela lembra ainda que, durante a escravidão, as tranças chegaram a ser usadas como mapas de rotas de fuga para quilombos. “Isso exige uma capacidade cognitiva e uma sofisticação cultural que muitas vezes não conseguimos nem compreender hoje”, afirmou.

 

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego