Prefeito de Terenos escancara que licitação “é coisa para inglês ver”

Investigação aponta que esquema de licitações fictícias começou ainda em 2021, na reforma da escola Rosa Idalina - Paulo Ribas

Empresas elaboravam propostas financeiras das concorrentes e até pagavam para propostas de concorrentes fictícios. Prefeito exigia propina de 7,5%.

A investigação que no último dia 9 colocou na cadeia o prefeito de Terenos, Henrique Wancura Budke (PSDB), revela que, pelo menos naquele município, licitação, que deveria dar lisura aos certames e derrubar os valores de obras públicas, não passa de um jogo de faz de contas, ou “coisa para inglês ver”. 

Uma série de evidências neste sentido aparece no documento em que o desembargador Jairo Roberto de Quadros determinou a prisão do prefeito e a devassa nas contas da prefeitura e de outras 58 empresas e pessoas físicas. Além do prefeito, outros 15 tiveram a prisão decretada. 

Ainda em 2021, durante os preparativos para reforma da Escola Municipal Rosa Idalina Braga Barboza, empreiteiros interessados na obra combinaram com o próprio prefeito uma série de detalhes sobre o projeto muito antes de sair a licitação. 

O principal deles era sobre o preço. Um destes empreiteiros sugeriu R$ 2 milhões. O prefeito entendeu que era demais e sugeriu em torno de R$ 1 milhão. “Consta que a proposta que se sagrou vencedora foi de R$ 1.123.417,39, da empresa Angico Construtora e Prestadora de Serviços Ltda, de propriedade do investigado Sandro José Bortoloto”. 

Aparentemente ocorreu uma licitação entre as empresas Angico, Bonanza  e Tecnika. Porém, o proprietário desta terceira recebeu R$ 15 mil somente para que apresentasse uma proposta superior àquela que já havia sido combinada com o prefeito, aponta a investigação.

E, para que não houvesse algum erro, “Cleberson ficou responsável pelo preenchimento das propostas, da sua e da suposta concorrente, inclusive com papel timbrado da empresa alheia”. 

Essa prática de uma empresa preencher a proposta das demais concorrentes está longe de ser um caso isolado, aponta a investigação.  “Aliás, do que consta nas investigações, utilizavam desse expediente como praxe, eis que as empresas detinham entre si folhas timbradas uma das outras, para supostamente facilitar a consecução ilícita do esquema”, diz a investigação do Ministério Público.

Na concorrência para a reforma da escola o proprietário da empresa Tecnika Contrução, de Rinaldo Cordoba de Oliveira, recebeu somente R$ 15 mil para simular participação do certame. Mas ele posteriormente seria contemplado com um contrato melhor.

Sua empresa “sagrou-se vencedora do Pregão nº 006/2024, para contratação de prestação de serviços de recapeamento asfáltico em área urbana, no valor de R$ 1.850.000,00. Com efeito, no dia 11/06/2024, um dia antes do julgamento da referida licitação, Rinaldo teria instado Sandro a fornecer uma proposta “cobertura”, e assim Sandro teria dado suporte a Rinaldo, no sentido de direcionar referido certame”, diz trecho da investigação. 

PROPINA

A investigação cita uma infinidade de concorrências públicas em um explícito jogo de cartas marcadas e em praticamente todas elas. E, de acorco com os investigadores, o prefeito tucano exigia o pagamento de propina em todas.

Na reforma da escola da colônia Jamic, por exemplo, sagrou-se vencedora a empresa Angico, pelo valor de  R$ 2.788,662,40. Depois dos aditivos, porém, o custo final somou R$ 3.364,085,05, aponta a investigação do Ministério Público.  

“No que se refere à corrupção do Prefeito, a propina supostamente solicitada e recebida por Henrique oriunda da fraude à Tomada de Preço 006/2022 teria totalizado a quantia de R$ 255.000,00, ou seja, aproximadamente 7,5% do valor total da obra licitada”, relata a promotoria citando a tomada de preços relativa à escola instalada na colônia japonesa. O empresário tinha até uma planilha onde constavam os valores e as datas de pagamento.

Por isso, MPE concluiu que “o grupo teria fraudado e direcionado a Tomada de Preços 006/2022, sob a liderança do Prefeito Henrique, e com a participação pessoal e direta do então Secretário de Obras de Terenos (Isaac), junto com os empresários Sandro e Cleberson, sendo que, posteriormente, teria se providenciado a contrapartida em forma de propina ao Prefeito, cujos valores foram encaminhados à empresa de Eduardo Schoier, que funcionaria como “testa de ferro” de Henrique”. 

ENRIQUECIMENTO

E por conta de cobranças de propina, o prefeito literalmente enriqueceu, segundo a investigação. “Durante as eleições de 2020, Henrique declarou ao Tribunal Superior Eleitoral patrimônio de R$ 776.210,57, enquanto na eleição de 2024 o valor passou para R$ 2.468.418,61, evolução patrimonial está de 318%”.

Esta declaração, porém, está com valores sub-avaliados, acredita o MPE. “Em pelo menos três bens de Henrique o valor de mercado é muito maior do que aquele efetivamente declarado. A Fazenda Ipê Amarelo, com área de 161 hectares, localizada no município de Aquidauana/MS, teve valor declarado em junho de 2023 de R$ 1.500.000,00, cujo montante foi pago integralmente a vista.”

Naquela região, porém, a terra vale muito mais. “Em pelo menos 11 imóveis rurais semelhantes da mesma região, o valor médio do hectare é de R$ 27.047,98, o que, multiplicado por 161, alcançaria R$ 4.356,017,67”, aponta o despacho do desembargador. 

Por conta disso, a investigação revela que “somado o valor real de marcado, o montante dos bens alcançaria em 2024 o montante real de R$ 6.141.948,18, o que indicaria crescimento de 691% em relação ao que foi declarado na eleição de 2020.”

Mesmo que guardasse todo o seu salário recebido desde que tomou posse, o prefeito jamais teria conseguido acumular tamanho patrimômio. “O Prefeito recebe salário mensal líquido de R$ 15.630,83, de modo que de janeiro de 2021 a junho de 2025, teria auferido o total de R$ 541.410,00”, diz a investigação. 

A defesa do prefeito alega que ele é inocente. O tucano segue preso e pediu afastamento do cargo para poder se dedicar à defesa. 

DITADO ANTIGO

A expressão “para inglês ver” significa que algo foi feito apenas para aparentar, enganar ou fingir, sem uma intenção real de ser levado a sério ou de ter efeito prático.

A sua origem está ligada a uma situação do século 19, quando Brasil,, pressionado pela Inglaterra para acabar com o tráfico de escravos, criava leis que proibiam a prática, mas que não eram aplicadas de verdade. Eram somente eram uma encenação para agradar os ingleses, que exigiam o fim da escravidão. 

Fonte: Correio do Estado