Resiliência é um termo usado em várias áreas, como a Psicologia, por exemplo, mas o conceito deriva da Engenharia de Materiais. Um material resiliente não se caracteriza apenas por sua capacidade de resistir a fortes pressões e sobrecargas, mas, sobretudo, consegue retomar a sua forma original quando a pressão deixa de existir. Resiliência, então, inclui a capacidade de suportar, manter e recuperar a função em situações de estresse e sobrecarga. Montar um sistema resiliente é projetar algo complexo, que tolera e se recupera em situações que tudo pode entrar em colapso. Na Pandemia, o Isolamento Social foi uma forma de preservar a Resiliência do Sistema de Saúde. Se todos fossem infectados pela Covid – 19 ao mesmo tempo, o sistema não teria capacidade de absorver a demanda e as pessoas morreriam sem ter acesso aos cuidados o que, em alguns períodos e locais, acabou acontecendo. Os negacionistas diziam que a quarentena não impediria a propagação do vírus, o que era verdade, mas a ideia era proteger a Resiliência do sistema, e isso acabou ocorrendo.
Na vida profissional e no Mundo Corporativo, Resiliência é um mantra e uma busca dos profissionais de RH. O seu significado é a adaptabilidade do profissional em situações de maior ou menor carga de trabalho e de estresse nas tarefas. O desejado profisional resiliente se adapta a mudanças abruptas de exigências e de condições de trabalho e entrega, no final, o resultado que era esperado. Certo? Nem sempre.
Nassim Taleb é um economista, escritor e livre-pensador contemporâneo que escreveu alguns livros que eu admiro, um deles seminal, o “Anti-Frágil”. Quem toma contato com esse termo se engana, porque ele é mesmo um pouco infeliz. Anti-fragilidade lembra uma brigada de administradores caçando funcionários molengas e chorões para suas listas de demissão. Não é isso. Ser anti-frágil é construir uma Resiliência sustentável a partir do cuidado com a própria fragilidade. E não é isso que as pessoas fazem quando tentam ser resilientes.
Com a resolução NR – 1 as empresas terão a atribuição de cuidar da Saúde Mental de seus colaboradores. Uma consequência direta, lamento falar, vai ser uma caça silenciosa aos funcionários que não são resilientes, “que não seguram a onda”. A anti-fragilidade aqui vai ser exercida em sua acepção errada, que será a tentativa de selecionar no ambiente corporativo quem supera as dificuldades sem Burnouts, Depressões ou crises de Ansiedade. Muita gente que já escondia suas dificuldades vai ter que esconder mais ainda suas olheiras e colocar uma máscara de equilíbrio e saúde mental impoluta. Ou a empresa pode ser penalizada. Mas é lógico que essa resolução é um avanço. Colocar uma lupa nas condições de trabalho e de carga de estressores dos colaboradores abre novas e promissoras possibilidades. Mas precisa ser bem feito. E essa maneira top-down de uma mudança da legislação vai criar muitos sistemas de proteção para inglês ver, se me perdoam o excesso de realismo.
O culto à Resiliência leva, necessariamente, a uma epidemia de Burnouts, afastamentos e adoecimentos da equipe em geral. A Resiliência que é cultivada é uma forma extrema de enduro, de resistência: quem aguenta varar mais noites, quem tolera exigências absurdas e descabidas de chefes despreparados, quem se adapta a diretrizes e prioridades que mudam como uma biruta ao vento. Resistir ao ambiente por vezes caótico do trabalho é uma virtude e um diferencial a ser cultivado, sim. Mas criar um sistema anti-frágil significa muita atenção aos elos fracos da corrente, que podem sucumbir. Um setor onde se batem recordes de afastamentos e turnover de funcionários é um setor Frágil. Colocar a culpa nas pessoas, que “não dão conta” é não só uma covardia como uma imensa burrice. Além de custar dinheiro. E muito dinheiro.
Criar funcionários anti-frágeis é ensinar para eles que cuidar do sono, da alimentação, de exercícios físicos, é uma forma de proteger a própria fragilidade. O seu corpo e sua mente são seus instrumentos de trabalho. Descuidar deles é como um violinista que não afina seu violão. Ter regras claras e capacidade de previsibilidade do que vai acontecer e de que jeito também é uma forma de criar um sistema anti-frágil. O sistema fica realmente potente quando passa a tirar proveito das dificuldades. Como diria Nietzsche, “O que não me mata me torna mais forte”. Essa é a tarefa mais difícil e mais promissora: criar um sistema que prospera no meio da adversidade, pois, em nosso país, não há outra opção.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress – o coelho de Alice tem sempre muita pressa”.