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Por um Estado laico de Direito, com diálogo inter-religioso e defesa da paz

Por Mohamed Hussein El Zoghbi*

23/08/2018 15h30 – DN

Vivemos tempos desafiadores nas mais diferentes esferas, e uma delas, especialmente, merece a nossa atenção: intolerância religiosa. Sim, este assunto também necessita ser tratado com desvelo aqui no Brasil, e não somente nos países onde os conflitos desta natureza são mais evidentes como no Oriente Médio, por exemplo.

O Brasil é um Estado laico, ou seja, não-confessional. Por aqui, embora haja uma maioria cristã, não há uma religião oficial. Clero e Estado não se envolvem em assuntos um do outro e não há, nesta relação, nenhum tipo de sujeição.

Ser um Estado laico, porém, não significa ser “antirreligioso”. Significa, ao menos em teoria, assumir uma postura neutra perante qualquer credo, respeitando até o ateísmo ou agnosticismo.

No Brasil, segundo sua própria Constituição, a religião não é vista como algo negativo ou algo a ser combatido. No artigo 5º, inciso VI, fica claro o posicionamento brasileiro sobre a religião: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

A realidade, porém, é sempre muito diferente da teoria, mas pode ser transformada quando a sociedade se mobiliza e exige as mudanças necessárias. Religiões de matriz africana, por exemplo, vêm se mobilizando, junto ao Supremo Tribunal Federal, para garantir o direito de manter práticas e rituais próprios de sua crença que correm o risco de ser proibidos por lei.

Muitos muçulmanos, inclusive brasileiros, também padecem com atos islamofóbicos. Há relatos de mulheres cujo hijab, o véu muçulmano, foi arrancado em via pública. Outros, são considerados ‘violentos’ ou ‘terroristas’ sem qualquer justificativa, apenas pela associação equivocada a grupos extremistas que aterrorizam o mundo usando a religião islâmica como justificativa.

Em se tratando dos muçulmanos, o que posso afirmar, sem medo de errar, é que o Islam é uma religião que prega a paz e defende o diálogo com as demais religiões.

Desmistificar o Islam não é uma preocupação apenas dos brasileiros. Há alguns dias recebemos, aqui no Brasil, uma visita de extrema importância: o vice-Sheikh da instituição religiosa Al-Azhar do Egito, Abbas Shuman. Ele é uma autoridade religiosa bastante respeitada em todo o mundo, não só entre os muçulmanos.

Al-Azhar é a mais antiga das escolas islâmicas no mundo, e é uma referência para a comunidade muçulmana de todo o planeta. Por meio de seus estudos, é uma diretriz que nos ilumina no sentido de adotar uma visão adequada acerca do Islam, sempre com respeito às demais crenças.

Shuman tinha, basicamente, dois objetivos aqui no Brasil: visitar e avaliar frigoríficos brasileiros que praticam o abate Halal – o Egito é um dos principais destinos da carne brasileira Halal ou seja, permitida para o consumo dos muçulmanos – e colocar-se à disposição das lideranças de todas as religiões que aqui são professadas para um verdadeiro diálogo inter-religioso.

Durante uma visita ao Mosteiro de São Bento, onde foi recebido pelo abade titular da instituição, Dom Mathias Tolentino Braga, e pelo Padre Lucas, um chinês radicado no Brasil que vem dando apoio à comunidade chinesa instalada no entorno do Mosteiro, Shuman explicou que seu trabalho é desmistificar o Islam junto aos que associam a religião com atos extremistas. “O radicalismo tem um propósito político e usa a religião erroneamente para atingir seus objetivos. Nossa responsabilidade é coibir este movimento que gera preconceito e mostrar quem, na verdade, são os muçulmanos”.

É o que também fazemos por aqui, por meio da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil. Inspirados pelo mesmo ideal do vice-Sheikh, estamos sempre buscando meios de abrir o diálogo com as demais religiões e mostrar o verdadeiro Islam a quem se interessar.

Na última Bienal Internacional do Livro de São Paulo, inovamos ao lançar o gibi “Khalil”, que traz a história de um brasileirinho muçulmano, que adora futebol, e se entristece quando os amigos o ofendem por não conhecer sua religião. Voltado para crianças e pré-adolescentes, o gibi mostra, de forma bem-humorada, que todos são iguais, independentemente da religião que professam. Desde de seu lançamento, a Federação vem sendo procurada por escolas interessadas em utilizar a publicação em ações contra a intolerância religiosa. Isso nos mostrou que criar publicações que desmistifiquem a religião e combatam estereótipos e julgamentos é urgente!

Vale ressaltar que todo o trabalho em prol do discurso inter-religioso é feito sem proselitismo. Parte da premissa de disseminar informações corretas e de qualidade sobre a religião islâmica para acabar com a islamofobia.

Como sabemos que isto é possível, ainda que seja um esforço constante e desafiador, apoiamos as demais religiões que sofrem algum tipo de preconceito a fazer o mesmo. E conclamamos: o Brasil precisa que as religiões se unam em torno de suas igualdades, não das diferenças. Há muita carência de solidariedade, de caridade e de humanidade que, certamente, as verdadeiras religiões podem amenizar. E mais: que não permitamos que nos seja tirado o direito de professar nossa fé. Algo que todo Estado laico de Direito, como é o Brasil, deve garantir a quem aqui nasce e vive.

*Mohamed Hussein El Zoghbi é Presidente da FAMBRAS, Federação das Associações Muçulmanas do Brasil.

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