Pronara: um passo importante para o controle e redução de agrotóxicos no Brasil

Foto: Ricardo Stuckert/PR

O presidente Lula sancionou no final do mês de junho o Decreto nº 12.538 que instituiu o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos – Pronara, que tem como finalidade implementar ações que contribuam para a redução de agrotóxicos. Especialistas falam sobre a importância da assinatura do decreto e os possíveis desdobramentos.

De acordo com relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o Brasil ocupa o posto de maior consumidor de agrotóxicos do mundo, com um consumo estimado em mais de 720 mil toneladas anuais. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima o uso destes produtos é responsável por mais de 300 mil mortes anuais a nível global, causadas principalmente por envenenamentos. 

Para além dos riscos aos agricultores, o impacto negativo do uso de agrotóxicos pode ser observado sob diferentes aspectos: a permanência por anos afetando solo e água, provocando mortes, prejuízos à saúde reprodutiva, tendo sido detectado inclusive no leite humano além da contaminação que permanece nos alimentos que chegam à mesa.  

O Pronara foi concebido por um grupo multidisciplinar de pesquisadores, representantes de diversas áreas do governo e com a participação da sociedade civil. O Programa enfrentou bastante resistência e permaneceu paralisado por mais de dez anos, até ser sancionado pelo presidente Lula.  

O Programa prevê a implementação de ações voltadas à redução dos agrotóxicos. Entre suas diretrizes estão: incentivo ás práticas agropecuárias sustentáveis, promoção de sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis e a promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional. Entre seus objetivos estão:  a diminuição gradual e contínua do uso de agrotóxicos, principalmente aqueles que apresentam maior nível de toxicidade para a saúde e meio ambiente e a promoção de ações educativas e informativas para trabalhadores e populações expostas a agrotóxicos. 

Especialistas celebram a assinatura do Decreto, e ressaltam a importância dele para o avanço de práticas agrícolas sustentáveis e mais seguras. Paulo Petersen, membro do Núcleo Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), e da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), destacou o reconhecimento por parte do Estado de necessidade da redução dos agrotóxicos. “Esse reconhecimento não é um aspecto trivial, à medida em que a utilização dos agrotóxicos sempre foi apresentada como um indicador de avanço ou modernização da agricultura, pela primeira vez existe um motivo oficial que orienta a redução desses produtos”. 

Petersen também destacou a relevância do envolvimento sistêmico de vários ministérios já que essa não é uma questão limitada ao Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), mas sim um tema transversal, relacionado também ás áreas de meio ambiente, saúde entre outras. 

Ele alertou ainda, que mesmo com um volume de estudos significativos demonstrando os malefícios causados pelo uso indiscriminado dos agrotóxicos, os números não são exatos, pois a taxa de subnotificação ainda é expressiva. “Há uma produção de ignorância institucionalizada, quer dizer, é uma ignorância intencional no sentido de ocultar os casos e muitas vezes a relação entre causa e efeito, ou por exemplo, o uso de agrotóxico e aparecimento de doenças. E complementou: “Quando há dados, em geral são contestados pela indústria e agronegócio, mas existem sim muitas referências no caso da saúde. A própria Associação Brasileira de Saúde Coletiva já publicou um dossiê específico sobre efeitos de agrotóxicos na saúde”.

Bioinsumos – Fernanda Savicki, pesquisadora em Saúde Pública da Fiocruz Ceará e representante da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) no Subgrupo temático do Pronara na CNAPO, explicou que o uso de agrotóxicos sempre foi associado à solução ao combate à fome, o que não se confirma na prática. Como alternativa viável, ela aponta a utilização de bioinsumos, cuja adoção ainda é contestada pelos grandes produtores. “Essa ideia de que vai ter perda, a gente sabe que não é verdadeira. Toda mudança requer ajustes e investimentos, mas o sistema, a produção de larga escala e de commodities já está preparada para mudanças”. 

Foto: Fernanda Savick/Arquivo Pessoal
Foto: Fernanda Savick/Arquivo Pessoal

A pesquisadora reconhece que o Pronara não promoverá mudanças profundas na produção de commodities, mas sim ajustes. Mesmo assim, ela avalia positivamente a sanção do Decreto. “ A assinatura do Pronara é um momento muito significativo para nós, tendo em vista que depois da flexibilização de todas as leis que a gente tinha que restringiam os agrotóxicos e sua circulação no país, talvez essa fosse a nossa única ferramenta, a mais concreta de cuidado da saúde e do ambiente, da saúde da população brasileira e dos ambientes brasileiros” e complementou: “Não vamos superar a fome com produtos alimentícios ultraprocessados, a gente supera a fome com comida de verdade e comida de verdade é comida sem agrotóxico”. 

A criação de um Comitê Gestor, sob responsabilidade da Secretaria Geral da Presidência da República, em conjunto com outros órgãos, representa uma etapa importante para a implementação das mudanças propostas no texto do decreto.  Contudo, Fernanda alerta a necessidade de uma estruturação robusta que consiga viabilizar mudanças efetivas. “É preciso discutir, primeiro, dotação orçamentária, como será garantido os recursos nesse momento de cortes? E não é só recurso financeiro, mas também recursos humanos, servidores públicos sendo bem pagos, garantindo os trabalhos de campo em todas as esferas (municipal, estadual e federal) ”. 

Fernanda falou ainda, sobre como os agrotóxicos tem sido utilizado como forma de inviabilizar os modos de vida das populações no campo. “O uso do agrotóxico para expulsar esses povos dos seus territórios, porque são justamente esses territórios que estão visados para as novas fronteiras agrícolas, agrícolas e mineratórias. Então, os agrotóxicos têm sido usados intensamente para tirar essas populações ou para, de fato, matar essas populações”. 

Por fim, Fernanda Savicki evidenciou a importância da presença da sociedade civil nos espaços de decisão que envolvem as questões do Pronara “precisamos estar atentos, discutir, escutar, incidir sobre as representações ministeriais nos debates, nas votações, nos acordos que são feitos dentro do comitê gestor para que a política ande de acordo com que seja acordado e com a necessidade e com que é prioritário para a sociedade, essa é uma das funções do PRONARA que é a função da participação e do controle social. 

A presidenta do Consea, Elisabetta Recine, lembrou que durante a 5ª Conferência Nacional de San, em dezembro de 2015, havia uma expectativa enorme por parte da sociedade civil pela assinatura do Pronara, o que, infelizmente não se confirmou e que durante a 6ª Conferência Nacional em 2023, uma das maiores manifestações dos participantes foi contra o PL do Veneno. Isso demonstra a luta histórica daqueles que defendem a natureza, todas as formas de vida e o planeta. Elisabetta declarou: “A publicação do Decreto não encerra esta luta, mas um importante passo foi dado. A instalação do Comitê Gestor é fundamental para firmar os compromissos necessários para colocar em prática o que está previsto e para monitorar os resultados”.  

Clique aqui e leia o decreto do Pronara na íntegra.

Fonte: Secretaria-Geral