Tarifaço de Trump pressiona celulose a buscar novos mercados

Tarifa de 50% sobre as exportações passa a valer no dia 1º de agosto - Foto: Marcelo Victor/Correio do Estado

Mesmo com menor impacto imediato, setor já revê logística para evitar perdas e manter competitividade.

O impacto do tarifaço anunciado pelos Estados Unidos, que prevê sobretaxas de até 50% sobre a importação de uma série de produtos brasileiros, pode ser menos drástico para o setor da celulose sul-mato-grossense do que para outros setores, como o do suco de laranja e o do ferro-gusa, mas já impõe ajustes logísticos e estratégicos às empresas. O governo estadual acompanha com atenção o cenário global de competitividade e a possibilidade de realocação da produção.

Mato Grosso do Sul exportou para os EUA US$ 213 milhões em celulose no ano passado, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). Nos primeiros seis meses deste ano, o valor negociado foi de US$ 74,8 milhões.

Ainda que a participação do Estado na pauta de exportações brasileiras não seja tão expressiva quanto em setores como o do boi ou o da soja, a celulose representa um produto com alto valor agregado e importância estratégica para a economia regional.

Apesar da sinalização de impacto, o titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Verruck, afirma que os projetos de expansão e investimentos continuam inalterados.

“A celulose é importante para a gente, porque é um produto de valor agregado. Mas a gente vê que o impacto talvez seja menor”, avaliou em entrevista exclusiva ao Correio do Estado.

Segundo Verruck, ainda não há registro de descontinuidade de investimentos por parte das empresas instaladas em MS.

“Nós fizemos reunião com todo o setor, todos os projetos de investimento continuam no mesmo ritmo, trabalhando”, afirmou.

A visão do governo estadual é de que o impacto mais direto será sobre os custos logísticos e de redistribuição dos produtos exportados, já que a tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos, sobre a celulose, inviabiliza a competitividade frente a outros mercados.

No entanto, conforme explicou o secretário, outros países também foram alvos do mesmo pacote tarifário de Donald Trump, o que evita uma substituição imediata do Brasil no fornecimento.

“A vantagem ainda nesse momento, do ponto de vista de competitividade, é que os outros países também estão sofrendo elevações tarifárias. Seria muito complicado se os outros não tivessem, então seríamos rapidamente substituídos, no caso da celulose, por outros mercados como Chile, Canadá e Indonésia”, analisou Verruck.

A avaliação técnica da Semadesc é de que, diferentemente do que ocorre com o ferro-gusa, cujas exportações sul-mato-grossenses são praticamente direcionadas aos Estados Unidos, e que já enfrentam dificuldades imediatas, a celulose, assim como a carne bovina, pode ser redirecionada a outros mercados, mesmo que isso acarrete maior custo ou redução de margem de lucro no curto prazo.

“Você eleva o custo de qualquer produto quando estabelece um pedágio para entrar no país. O imposto de importação é um pedágio, porque ele não está remunerando nada, ele só efetivamente está colocando aquele pedágio de 50%. Então, aquele valor vai para o governo, ele não está remunerando nenhuma estrutura”, explicou o titular da Semadesc.

A reconfiguração de rotas e parcerias comerciais será inevitável caso o tarifaço entre em vigor no dia 1º de agosto nos moldes divulgados. O setor industrial já atua em articulação com o governo federal para buscar alternativas diplomáticas e comerciais, ao mesmo tempo em que as empresas realizam estudos internos para redirecionar cargas e buscar mercados alternativos na Ásia e na Europa.

PANORAMA

Conforme reportagens anteriores do Correio do Estado, o Brasil é um dos maiores exportadores mundiais de celulose, tendo a China, países da Europa e os Estados Unidos como seus principais clientes.

Em 2023, o setor enfrentou queda de preços no mercado internacional, agravada por excesso de oferta e desaquecimento global.

Mesmo assim, Mato Grosso do Sul manteve sua liderança no ranking nacional de exportação do produto, com destaque para a atuação da Suzano e da Eldorado Brasil.

A imposição de tarifas pelos Estados Unidos amplia a tensão sobre o setor. No entanto, Verruck destaca que ainda é cedo para avaliar impactos de longo prazo na cadeia produtiva florestal do Estado.

“Eu acho que a gente vai ter aí um período ainda que não altera nenhum tipo de investimento, mas óbvio que vamos ter que realocar esse produto”, pontuou.

Conforme adiantou o Correio do Estado, na edição desta sexta-feira, o principal receio está no acúmulo de efeitos negativos sobre diferentes cadeias de exportação, especialmente aquelas com menor elasticidade comercial, como o ferro-gusa, que já tem sentido os efeitos da medida.

“Esse é o setor, talvez, mais preocupante no curto prazo, com impacto direto e não realocação, porque você não tem mercado alternativo para o ferro-gusa”, disse o secretário.

A cadeia florestal, base da produção de celulose, também poderá ser afetada indiretamente, especialmente em um cenário de redução da demanda ou de retração de novas encomendas.

Verruck alertou que a tarifa anterior sobre florestas era de 10%, um patamar que “praticamente não incomodava”, mas que agora pode comprometer a competitividade frente a países não afetados pelas medidas.

Apesar disso, o secretário aposta na resiliência do setor local.

“No primeiro mês, os estados mais impactados são Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que trabalham mais essencialmente com painéis. Nós que trabalhamos com celulose, eu acho que vamos ter aí um período ainda que não altera nenhum tipo de investimento”, ponderou.

O governo do Estado segue acompanhando a evolução do cenário internacional e já articula com o Mdic medidas para proteger as cadeias produtivas mais expostas. 

Para Verruck, é preciso observar os desdobramentos do tarifaço com cautela e estratégia.

“Esses impactos, quando não são diretamente industriais, são um pouco prematuros de se avaliar”, concluiu.

Fonte: Correio do Estado